RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.5) – Da Velha República, de 1945, até o período militar

RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.5) – Da Velha República, de 1945, até o período militar

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
98ª Sessão Não Deliberativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
17/06/2019

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Quando o Senador Izalci fala de Rondônia, é porque ele conhece Rondônia. Ele conhece Ariquemes, conhece Ji-Paraná. Ele fez auditorias por lá. Quando ele fala assim, ele fala de boca cheia, porque realmente ele conhece o nosso Estado.

Como sempre, venho mesclando os discursos. Por hora, é sobre a educação, Sr. Presidente, Senador Marcos Rogério, Senador Elmano Férrer, todos os demais que estão nos gabinetes, jornalistas, enfim, todos os funcionários. Venho fazendo uma caminhada, ao longo da história, sobre a educação.

Quero agradecer aqui esse trabalho tão bem feito. Este discurso não foi feito por mim; ele é uma encomenda que eu fiz à Consultoria Legislativa da Casa, que, por sinal, é fantástica. Eu quero tirar um parágrafo, e não consigo, Senador Izalci! Eu não consigo tirar um parágrafo; os camaradas são bons demais! A Consultoria do Senado é excelente. Eu fico pensando: “Será que não vou ter nem um rabisco aqui?” Não tenho. Não tem o que falar. De vez em quando, por causa do tempo, eu salto um pedacinho. Mas quero que a Casa publique todo o conteúdo. Depois, vou produzir uma cartilha, um livrinho sobre esses discursos históricos, pois estou caminhando ao longo da história do Brasil.

Hoje, o meu tema vem do período de 1950, da Velha República, de 1945, da redemocratização do País, até o período militar. Vem desse período de Dutra até Castelo Branco, que realmente foi o primeiro Presidente do Governo militar.

Então, continuo, nesta oportunidade, Sr. Presidente, o ousado projeto a que me propus de visitar a história da educação no Brasil desde o Império até os nossos dias, com o fito de contribuir para o debate, dentro e fora do Parlamento, acerca dos problemas enfrentados hoje.

Começamos a caminhada no fim do Estado Novo, na retomada democrática que levava Eurico Gaspar Dutra à Presidência da República, na eleição direta de 1945.

Pela primeira vez na história do Brasil, as mulheres exerceram o direito ao voto conquistado havia mais de uma década. Só votaram mesmo na eleição de 1945, quando Dutra saiu vitorioso.

Na Europa, as profundas feridas deixadas pela Segunda Guerra Mundial curavam-se lentamente. Nos Estados Unidos e na União Soviética, novos líderes internacionais passaram a disputar o engajamento dos demais países e seus campos ideológicos, capitalismo e comunismo, respectivamente. Era a chamada Guerra Fria.

O Governo brasileiro escolheu o lado capitalista e adotou uma política de importação de bens de consumo que sangrou as reservas cambiais rapidamente.

Uma guinada já em 1948 materializou o Plano Salte – olha bem, Plano Salte –, que redirecionava os investimentos públicos para as áreas de saúde, alimentação, transporte e energia. Por isso que se fala Salte: saúde, alimentação, transporte e energia. A ausência da educação no Plano Salte, de Dutra, no acrônimo que nomeava o plano, é início da irrelevância que o tema da educação foi para Dutra.

Ainda que a Constituição de 1946 tratasse o ensino de forma bastante mais generosa que a Carta de 1937, os avanços práticos na área foram exíguos.

Cumprindo determinação constitucional, criou-se uma comissão para elaborar o anteprojeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. O grupo era, majoritariamente, composto por defensores da Escola Nova de 1932, tais como Fernando de Azevedo e Almeida Júnior. Liberal e descentralizador, o documento foi arquivado em 1949, após severamente criticado em parecer de Gustavo Capanema, na Comissão de Leis Complementares do Congresso Nacional.

Mas nem tudo estava perdido, Sr. Presidente. O direito de todos à educação primária pública e gratuita estava assegurado na Lei Maior do País de 1946, que estabelecia também o percentual fixo dos impostos a serem investidos. Felizmente, o passar dos anos viu esse direito se concretizar, ampliar e chegar às universidades federais de hoje.

Mas retomemos o nosso passeio histórico.

O crescimento do PIB em 1948 foi de 8% – olha bem esse crescimento gigantesco: 8% do PIB em 1948 –, que veio acompanhado de uma inflação alta, que corroeu o poder de compra das famílias, vítimas também do significativo rebaixamento do salário mínimo que ocorreu no período.

Ao final do Governo Eurico Gaspar Dutra, a educação pública tinha qualidade apenas em alguns Estados, como São Paulo, principalmente. Ainda era para uma elite urbana, especialmente se considerarmos o ensino secundário. Algo acima de 50% da população de 15 anos ou mais era analfabeta. Olha bem: em 1948, 50% da população brasileira era analfabeta. Olha, em 1900, 65%; em 1920, 65% analfabetos; e, em 1950, 50%.

Getúlio Vargas volta à Presidência da República, dessa vez alçado pelo voto popular, em 31 de janeiro de 1951, iniciando um processo que ficaria conhecido como nacional-desenvolvimentismo. Seu Governo buscaria crescimento econômico, industrialização, intervenção do Estado e auxílio do capital internacional. Boa parte dos investimentos públicos dessa época foi direcionada para infraestrutura, transporte rodoviário, produção de energia à base de carvão, mas também aportes em ferrovias. A autarquia fundamental para a execução da Política Nacional de Desenvolvimento era o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fundado em 1952. Ontem mesmo, o BNDES estava em crise com a saída do Joaquim Levy. Em 1952, foi criado o BNDES.

A luta pelo domínio estatal do petróleo, ponto alto do Governo Vargas, culminou com a criação da Petrobras, em 1953. O País se uniu em torno do lema “o petróleo é nosso”.

A população urbana brasileira aumentava rapidamente com a mão de obra ociosa que vinha do campo – eu estou falando de 1950 – em busca de melhores condições de vida, mas eram trabalhadores sem formação para o trabalho na indústria. Na verdade, não tinham formação nenhuma. Lamentavelmente, a educação básica não era prioridade para o Governo, como de costume. Desde 1900, desde o Império, a educação não foi prioridade, e, no Governo Getúlio, também teve as suas dificuldades, por ele ter escolhido outras prioridades. Não havia escolas suficientes sequer para quem vivia há muitos anos nas cidades. A precariedade da oferta de ensino no País precisava ser compreendida e combatida.

Pessoal das galerias que estão chegando, eu estou falando sobre a educação no período Vargas até os governos militares.

Em 1952, Anísio Teixeira assume a direção do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), que existe até hoje. Foi assumido em 1952 por Anísio Teixeira, um baiano, com o objetivo de fundar as bases científicas da reconstrução educacional no Brasil. Ele cria o Centro Brasileiro de Pesquisa Educacionais, no Rio de Janeiro, estimulando a criação de centros regionais. Os primeiros surgem em São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Salvador e Porto Alegre. Porém, os avanços reais se restringiram aos níveis mais avançados da educação: ensino médio e ensino superior.

Em 1951, nasce o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), como resposta ao imperativo de fomentar a capacidade produtiva do País por meio da pesquisa científica e tecnologia. O CNPq existe até hoje. No mesmo ano, 1951, foi criada também a Campanha de Aperfeiçoamento do Pessoal de Ensino Superior (Capes), que ainda existe até hoje; só não tem dinheiro para financiar pesquisa nem bolsa para mestrado e doutorado, mas existe. A Capes foi criada em 1951 e já devia estar muito mais avançada.

Mais tarde, no Decreto nº 34.638, de 1953, foi instituída a Campanha de Aperfeiçoamento e Difusão do Ensino Secundário (Cades). O objetivo era formar professores para ampliar oferta e melhorar a qualidade do ensino secundário. Havia poucos professores na década de 50. Os resultados das iniciativas foram positivos e se fizeram sentir alguns anos mais tarde. De 18.815 postulantes ao magistério formados nos cursos da Cades de 1955 a 1960, apenas 7.506 foram considerados aptos para ensinar, para o registro profissional.

De volta ao cenário político, os Estados Unidos daquela época, aliados num primeiro momento, já não viam o nacionalismo de Vargas com bons olhos, especialmente depois que a remessa de lucros para o exterior foi restrita a 10%, etc., etc. Partidários da entrada da empresa de capital estrangeiro no País engrossavam a oposição a Vargas, dentre eles o famoso opositor da UDN, Carlos Lacerda, lá do Rio de Janeiro, dono do jornal Tribuna da Imprensa, que foi um adversário histórico do trabalhismo de Vargas.

Os trabalhadores, premidos pela inflação e baixos salários do período de Dutra, partiram para uma greve geral. Com o intuito de resgatar o prestígio popular, o Presidente convoca João Goulart para o Ministério do Trabalho. O novo Ministro aumenta o salário mínimo em 100%. O empresariado nacional e internacional, inconformado, avaliou o movimento como uma virada para o comunismo.

Um atentado contra a vida de Carlos Lacerda, em 1954, mata o major-aviador Rubens Florentino Vaz, e, assim, o Exército, em manifesto, pede a renúncia do Presidente Vargas.

Sitiado no Palácio do Catete, achacado pela imprensa e abandonado pelo empresariado e pelas Forças Armadas, Getúlio Vargas tira a própria vida em 24 de agosto de 1954.

Houve uma imensa comoção popular.

No ensino médio, a situação não era melhor. Apenas para os filhos das elites, capazes de passar no final dos exames de admissão, havia a possibilidade de chegar às universidades.

Entre agosto de 1954 e 1956, o Brasil teve três Presidentes: Café Filho, Carlos Luz e Nereu Ramos.

Em janeiro de 1956, Kubitschek era empossado Presidente do Brasil, após manobra conhecida como Golpe Preventivo, do Marechal Lott, que frustrou a tentativa da UDN de anular as eleições legítimas que elegeram JK.

Apesar dos embaraços do início do mandato, o governo transcorreu em clima de razoável tranquilidade. A economia orientava-se pelo Plano de Metas, um complexo programa de modernização e industrialização baseado no País.

No afã de aprofundar o modelo de substituição das importações, superar o atraso brasileiro e deixar a posição de país agrícola exportador de matérias-primas, o Brasil se abre sem limites ao capital estrangeiro.

Meta Síntese do Plano de JK, a transferência da Capital para o interior foi possível graças a empréstimos vultosos vindos do exterior.

Um dos cinco setores contemplados no Plano de Metas de JK, a educação recebeu escassos recursos de 3,4% do PIB, dos investimentos totais. Boa parte dos recursos foi empregada no estímulo à formação técnica.

Em defesa da educação, em 1959, publica-se o manifesto “Mais uma Vez Convocados”, reafirmando muitas das ideias dos pioneiros da Educação Nova, de 1932. O novo documento contava com a chancela de 189 intelectuais brasileiros, como Anísio Teixeira, Sérgio Buarque de Holanda, Fernando Henrique Cardoso, e assim, nessa época, o debate acerca da Lei de Diretrizes e Bases da escola pública agrupava-se em torno de três vertentes.

Júlio de Mesquita Filho liderava o pensamento liberal-idealista, com base na liberdade dos indivíduos independentemente da sua posição social. Anísio Teixeira e Almeida Júnior advogavam pelos princípios da Escola Nova. Florestan Fernandes levantava a bandeira do socialismo e chamou para a mesa de discussão movimentos operários, sindicais e trabalhadores.

O fim da querela e a publicação da LDB só viriam em 1961.

Vale mencionar, porém, alguns avanços concretos que houve durante os anos JK e que se mantiveram e ampliaram nos governos posteriores, até a ruptura de 1964.

Timidamente, surgiam no horizonte os primeiros sinais da mudança na educação, que experimentaria um breve período de ebulição nos anos iniciais da década de 60.

Após essa campanha pautada pelo compromisso com a moralidade pública, mote que rende votos até hoje, Jânio Quadros, do Partido Trabalhista Nacional, é eleito Presidente.

Em agosto de 1961, renuncia à Presidência. Após grave crise institucional, João Goulart assume em setembro graças à Campanha da Legalidade, capitaneada por seu cunhado, Leonel Brizola, Governador do Rio Grande do Sul.

Inaugurado pelo Congresso Nacional, o novo sistema era o parlamentarismo. O poder real passava à mão do Primeiro-Ministro, Tancredo Neves. O primeiro instrumento legal a tratar exclusivamente da educação, a LDB, ordenava o sistema de ensino, regulamentava os conselhos estaduais de educação, estabelecia a formação mínima para os professores, o ensino religioso facultativo. Para os detratores, o projeto era prejudicial às classes baixas, orientado pelo desejo elitista de formar mão de obra para a indústria.

Surge da mente brilhante de Darcy Ribeiro, em parceria com o também genial Anísio Teixeira, o plano orientador da Universidade de Brasília, que seria fundada em abril de 1962. Era preciso uma instituição autônoma, planificada em bases flexíveis, para que promovesse a renovação do ensino superior.

Assim sendo, Sr. Presidente – deixe-me pegar aqui um pedacinho do discurso –, esses meses prévios, com a implantação do regime militar, iniciado em 13 de maio de…

Com o intuito de legitimar as mudanças do Presidente, anuncia um grande comício histórico de João Goulart na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, em 13 de maio de 1964, para o público de quase 200 mil pessoas.

Os meses prévios à implantação do regime militar foram de intensa mobilização das massas, que buscavam, entre outras demandas, a extensão dos direitos trabalhistas ao campo. Nesse contexto, surgem as Ligas Camponesas – e eu me lembro bem dessas Ligas Camponesas, de Julião, de Arraes, de Mauro Borges, de Brizola –, em todo o País, especialmente no Nordeste, que promoviam a conscientização do povo.

Inspirado no método de alfabetização criado por Paulo Freire, colocando o indivíduo como sujeito da história, capaz de transformar a realidade no campo e na cidade por meio da educação e da luta política, surge em 1964 o Plano Nacional de Alfabetização. Eles queriam alfabetizar 5 milhões de brasileiros em 1965. Veja bem, a grande ousadia surgiu em 1965.

A reação conservadora, que se chamou de ameaça comunista, veio na forma das marchas da família com Deus pela Liberdade, que se desdobraram em sucessivas manifestações em São Paulo, Rio de Janeiro e outras cidades, levando milhares de pessoas à rua.

O Governo João Goulart já não tinha sustentação. Em 31 de março de 1964, os militares assumem o poder e instauram o regime ditatorial, que se prolongou por 21 anos, até 1985.

A ruptura democrática reverberaria de forma avassaladora em todos os níveis da educação. Novas regras, instituições e parâmetros viriam. Paulo Freire partiu para o exílio, no Chile; Darcy, para o Uruguai; e tantos outros também foram para escapar da perseguição político-ideológica. Dispersava-se a elite do pensamento nacional. Enterrava-se no nascedouro o ousado projeto de educação emancipadora e inclusiva, cujos princípios guiam até hoje as mais avançadas iniciativas do mundo.

Para poupá-los de mais palavras, farei, em outro momento, a recapitulação histórica da educação durante o regime militar.

Sr. Presidente, nós fizemos assim um discurso bem Ayrton Senna aqui, bem acelerado, porque são 12 páginas. Eu saltei alguns pedaços, justamente para mostrar para V. Exas. e para o povo brasileiro que a educação vem por espasmos. Dutra não fez muito; Getúlio não deu prioridade; Juscelino deu uma arrancada; João Goulart fez um extraordinário trabalho e arrancou com o trabalho das suas metas na educação, mas, logo, logo, saiu do governo. Na próxima semana, eu vou falar sobre a educação no governo militar e, lá na frente, quando eu terminar mais dois discursos, eu vou analisar, Sr. Presidente, o papel de idiota – o papel de idiota – que muitos Senadores brilhantes… Quantas personalidades como Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira, quantas figuras ilustres trabalharam com a educação? Falaram e falaram, discursaram e discursaram, mexeram e mexeram, e nada avançou.

Agora, o senhor acabou de fazer um discurso mostrando que, isoladamente, Sr. Presidente, escolas, Municípios e Estados como o Piauí têm feito um trabalho de vanguarda por si só.

Então, Sr. Presidente, eu concluo – vou concluir lá na frente, porque vou falar mais – dizendo que parece que a gente tem que começar de baixo para cima, a gente tem que começar dos Municípios.

Você falou de Novo Horizonte, em São Paulo. Há outros também, brilhantes, que vêm lá de baixo, dando bom exemplo.

Elmano falou aqui de Cocal dos Alves – eu canso de repetir Cocal dos Alves. Ele falou aqui agora do Instituto Dom Barreto, em Teresina, que é um exemplo – não é de agora que Dom Barreto é bacana. Cito o Lyceu de Goiânia e muitas outras escolas brasileiras. Então, nós temos que sair catando os bons exemplos brasileiros e falando: “Prefeito, pelo amor de Deus, copie esse exemplo. Governador, não fique inventando a roda, não, meu irmão”. Façam como essas escolas que V. Exa. citou há pouco, as escolas federais de São Paulo e outras que se destacam no mundo inteiro pelo brilhantismo de seus professores e pelo inusitado trabalho feito por pais, alunos e mestres dessas escolas. Jeito há! Jeito há! Nós estamos errando é na forma.

Esperar que o Governo Federal, que o ministério… Muda Ministro a toque de caixa: um ficou três meses, outro está lá, e vai ministro, vai ministro. Ministro que a gente não conhece, ministro que a gente não sabe quem é entra aí e fica querendo aprender educação, Sr. Presidente – querendo aprender educação. Não é assim! Eu estou falando da história do Brasil na educação.

Então, Sr. Presidente, eu vou encerrar o meu pronunciamento…

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