RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.4) – História da educação nos anos 30, na Era Vargas

RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.4) – História da educação nos anos 30, na Era Vargas

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
96ª Sessão Não Deliberativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
14/06/2019

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Saúdo o Sr. Presidente, Izalci Lucas, o Senador Kajuru, que acabou de fazer um pronunciamento histórico, importante, levantando poesias, segundo ele, publicadas em 1952, fazendo uma referência aos traidores, muito importante. Saudação ao Senador Paulo Paim, que exerce aqui um papel fantástico, presencial, no Plenário, levantando a sua voz diariamente em defesa de trabalhadores, dos sindicatos, do povo brasileiro. Saúdo também todos os Senadores que estejam nos gabinetes.

Hoje é um dia difícil aqui em Brasília, com a manifestação; até os funcionários dos gabinetes não puderam chegar a tempo, devido às dificuldades do trânsito, Brasília está congestionada.

Hoje, Senador Izalci, no meu discurso – estou fazendo uma sequência, estou quase terminando –, vou descrever, narrar a história da educação nos anos 30, na Era Vargas. Vou fazer um comparativo. Venho desde o período colonial, do Império, a Velha República e, agora, a Era Vargas. Então, estou comparando todos esses estamentos históricos justamente para a gente chegar até hoje. Quando eu chegar aqui, nesta data, no contemporâneo, quero saber onde é que nós erramos. É como a mãe e o pai que falam assim: “O que é que eu fiz para merecer um filho que não deu certo? Tanto que me esforcei!”, porque o menino não se enquadrou. Então, nós queremos saber onde é que nós erramos, ao longo da história; o que é que houve que a nossa educação ainda não chegou ao ponto que nós desejamos. V. Exa., que é um defensor da pesquisa científica, da educação brasileira; Paim também; Kajuru; e outros tantos aqui no Senado; a gente fica assim preocupado.

Então, Senador, hoje começo a falar da educação a partir dos anos 30. Minha mãe nasceu em 1930. Se ela estivesse viva, estaria com os seus 89 anos hoje. Então, nos anos 30, há 89 anos, vamos começar a analisar o período de Vargas, de 30 a 45.

Hoje eu começo nos anos 30, quando os ventos modernizantes permitiram algum avanço em relação ao passado. Naquele momento histórico, houve uma divulgação importante do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, em 1932, que defendia a escola única, pública, laica, obrigatória e gratuita. Olhem bem, foi onde surgiu a gratuidade; e era laica, desgarrada da religião nas escolas. Estavam à frente dessa iniciativa mestres de envergadura moral e intelectual, como Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira – olhem bem, Anísio Teixeira! –, Roquette Pinto, Hermes Lima e Cecília Meireles – vejam bem a qualidade –, além de outros intelectuais do período.

Na década de 30, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder, os diversos grupos do espectro ideológico brasileiro, os integralistas, que ficavam à direita, os comunistas, à esquerda, todos queriam fortalecer o Estado federal e, em consequência, centralizar as políticas do País; e, simultaneamente, reduzir a excessiva descentralização que existira na Primeira República. Naquele momento, o objetivo claro de quem buscava centralizar a política de educação era o de enfraquecer as oligarquias estaduais e regionais, que se recusavam a criar escolas.

Os oligarcas das Capitanias resistiam a criar escolas e a ampliar o acesso ao ensino público, contribuindo para manter o analfabetismo, a proibição do voto dos analfabetos e o domínio dos chamados currais eleitorais.

Especificamente no campo da educação, Getúlio se propunha a realizar a difusão – vejam bem – intensiva do ensino público, principalmente o técnico profissional, estabelecendo, para isso, um sistema de estímulo e colaboração direta aos Estados. Para ambas as finalidades, justificar-se-ia a criação de um ministério, o Ministério da Instrução e da Saúde Pública, sem aumento de despesas. Assim, disse e fez.

Tal é o mérito de Vargas que os estudiosos reconhecem como vantagens do período getulista três aspectos fundamentais: o primeiro aspecto foi a instituição de diversos direitos sociais no País, inclusive os da educação; segundo, ele propôs criar uma identidade nacional; terceiro, porque criou e fortaleceu o aparato burocrático, no melhor sentido desse termo, isto é, o conjunto de órgãos e servidores públicos a serviço de políticas, programas, planos e ações governamentais.

É necessário recordar que Francisco de Campos foi indicado para a Pasta da Educação com o auxílio da Igreja Católica, representada pelo escritor, famoso na época, Alceu Amoroso Lima. Entretanto, não era interesse dos religiosos daquela época a reorganização do ensino primário, principalmente se este passasse a ter perfil público. A Igreja não queria, naquele momento, que o ensino primário fosse público. Por isso, Francisco de Campos só propõe as reformas do secundário e do superior. Naquela ocasião, a consequência seria manter na iniciativa privada todas as ações do ensino primário no Brasil ou manter com o financiamento desconcentrado, o que era incerto e irregular, de Estado para Estado, de Município para Município.

Embora a Constituição de 1934 tenha trazido uma série de direitos no que diz respeito à educação, tais princípios não chegam a ser instituídos, tendo em vista que – vejam bem –, em 1934… A Constituição de 1934 já esboçava alguns direitos no seu bojo, mas com o golpe de Getúlio, em 1937, é instaurado o Estado Novo, e, na nova Constituição de 1937, desaparece a ideia de Plano Nacional de Educação. Desaparece! Desaparece da Constituição de 1937, da segunda fase do Governo Vargas, o Plano Nacional de Educação, cuja proposta havia sido colocada, em 1932, pelo Manifesto dos Pioneiros.

Ainda que mantivesse o caráter elitista, o famoso Gustavo Capanema, via na educação uma forte ferramenta de controle social. Vejam bem, parece que os dias de hoje estão repetindo a década de 30.

O todo poderoso Ministro de Vargas, Gustavo Capanema, entendia essa política como uma estratégia governamental para erradicar a resistência ao autoritarismo do Estado Novo. A elite dominante buscava controlar a massa dominada pela construção de um tipo de saber dirigido aos grupos populares, o qual se caracterizava pela obediência e fidelidade ao Governo.

Ao tratar do tema em 1937, Capanema traduz essa visão ao afirmar que a guarda e o controle sobre a educação seriam função do Estado. Esclarecendo, a seu ver, ela está longe de ser neutra e deve tomar partido, ou melhor, deve adotar uma filosofia de seguir a tábua de valores. Capanema propõe um ensino partidário – vejam bem uma coisa dessas –, reprodutor dos valores do Estado Novo, então aliado ao fascismo europeu, traduzido no autoritarismo e no nacionalismo, responsável pela direção da educação aliada à visão católica tradicional de Alceu Amoroso Lima. Pregava a supremacia do Estado sobre a educação. Para eles, o sucesso do regime autoritário de 1937 dependia de uma educação imposta, controlada, com pulso de ferro, pelo Estado.

Nesse período, os ideólogos, os dirigentes da educação do Estado Novo utilizam uma retórica de destruição do que havia anteriormente e da construção do novo em seu lugar. Olhe bem, do novo em seu lugar. Nessa perspectiva, aos educadores caberia a responsabilidade de construir um saber positivo, ordeiro, pois, se assim não agissem, os professores estariam sujeitos a se tornarem veículos responsáveis pela desordem, elementos inoculadores dos germens da dissolução.

Essa era a modelagem do Estado Novo, advinda da Alemanha nazista, que veiculou na escola a sua ideologia totalitária e arrebanhou boa parte da juventude alemã ao nazismo. No ideário do Estado Novo, a ideia de ordem assume um papel fundamental. Na educação, tudo deveria estar sob ordem, oposto à desordem identificada no ensino da Velha República, segundo os princípios da ditadura de Getúlio, com as propostas esquerdistas do grupo da Escola Nova.

Mas nem só de ideário fascista se alimentou a Era Vargas. As contradições do próprio regime, as demandas por democratização, os imperativos por uma ordem econômica trouxeram luzes também para o outro lado. O campo da educação da Era Vargas foi fortemente influenciado pelo processo de industrialização, que passou a ter fôlego após a crise mundial de 1929, que, na ocasião, fechou o ciclo do modelo exportador de bens primários.

Mas vem aí coisa boa também. Do ponto de vista da organização do ensino, em 1942, 1943, Gustavo Capanema cria a Lei Orgânica do Ensino Industrial – olha que isso é importante –, o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), criado em 1942. Viu, gente? Em 1942, 1943, o Senai. Em 1942, 1943, Paim, o Senai Capanema criou, com a Lei Orgânica do Ensino Industrial. A Lei Orgânica do Ensino Comercial, em 1942, 1943.

O foco dessa lei era a essência e a visão instrumentalista, a formação de mão de obra, em 1942, 1943. Ao lado disso, o secundário tradicional, o ensino médio tradicional é estruturado no exame, o ensino clássico e o ensino científico, continuava com o propósito de ser preparatório ao ingresso ao ensino superior.

Com certeza, o clima de disputa política na Era Vargas foi um dos mais propícios ao surgimento de instituições como a UNE. A UNE, Paim, surgiu no dia 11 de agosto de 1937. Olhe bem, a UNE foi organizada e criada no dia 11 de agosto de 1937, com o propósito de congregar as lutas universitárias – naquela época de resistência, de resistência contra Getúlio, época em que ele estava como ditador.

Desde então, a UNE tomou a frente de diversas bandeiras nacionais, não só a da educação pública, gratuita e universal. Claramente o movimento estudantil se posiciona contra o Estado Novo – olhe que beleza, contra o Estado Novo! –, considerado de orientação fascista, contra alianças que o Brasil estabelecera com a Alemanha, a Itália e o Japão, e defende a paz. A UNE defendia a paz, posicionando-se contra a guerra que eclode em 1939. Olhe bem a situação!

Na ação do Estado Novo, paralelamente à dimensão negativa, está, por exemplo, o pioneirismo de criar o maior programa mundial. Fez coisa boa, fez coisa ruim, mas há coisas maravilhosas nessa época. Por exemplo, o maior programa mundial de acesso ao livro – o maior programa mundial de acesso ao livro –, criado entre 1929 e 1934, com Gustavo Capanema, na condição de Ministro da Educação. Ele criou o Instituto Nacional do Livro, que recebe como atribuições a edição de obras literárias para a formação cultural da população e a elaboração uma portentosa enciclopédia de dicionários nacionais.

Na sequência, em 1938, foi instituída a Comissão Nacional do Livro Didático, para tratar a produção, o controle e circulação dessas obras, do livro didático – em 1938. Em 1945, Gustavo Capanema deixa o Ministério da Educação, e, embora o dicionário e a enciclopédia não estivessem prontos, as bibliotecas haviam se expandido, além do Rio de Janeiro, São Paulo, graças à oferta de livros pelo Governo Federal.

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – Perfeito.
Na sequência, Senador Paim, em 1938, além da Comissão Nacional do Livro Didático, para tratar a população e o controle de circulação nessas obras… Em 1945, Capanema – já falei, estou repetindo – deixa o MEC, embora o dicionário não estivesse ainda concluído.

Quando hoje vemos a exuberância, Sr. Presidente, do Ministério da Educação – olhe a exuberância! – de distribuir, Presidente Izalci… O Ministério da Educação hoje distribui 120 milhões de obras – 120 milhões de obras! Tenhamos em mente que esse programa nasceu em 1930.
(Soa a campainha.)

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – Quem pode…
Acho que, em um minuto ou dois, eu concluo aqui.
Tenhamos em mente que esse programa nasceu em 1930. São livros didáticos…

O Sr. Paulo Paim (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT – RS) – O Presidente Izalci, diplomático como sempre, deu-lhe cinco minutos. Eu só quero elogiar o Presidente.

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – Muito obrigado.
Dicionário para todos os alunos, inclusive os de educação especial.

A rede pública é fundamental em todo o País. Para 2017, Sr. Presidente, o Programa Nacional do Livro Didático vai investir R$1,3 bilhão, ou melhor, em 2017, passado, investiu – eu errei aqui – 1,3. E continua a investir. O que isso significa? Que a educação pública brasileira movimenta muitas cadeias econômicas. Quem se admira de termos uma política consistente, traduzida pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), às vezes desconhece as suas origens: remonta de 1950. A gente fala hoje da alimentação escolar achando que o programa foi criado agora. Não! Em 1950, foi criado o Programa Nacional de Alimentação Escolar, inicialmente como proposta assistencialista de combater a desnutrição, que era muito grande. Havia desnutrição demais no Brasil!

Então, Sr. Presidente, como vimos, Sras. e Srs. Senadores, apesar do ideário fascista, a Era Vargas, iniciada em 1930, interrompida em 1945 – e ele voltou em 1950 –, contribuiu com um legado significativo para a educação, com alguns altos e baixos, com um legado significativo, importantíssimo. A ampliação do número de escolas brasileiras, que viria se acentuar na década de 60 em diante, teve origem naqueles anos do famoso político gaúcho que foi Getúlio Vargas.

Em outros momentos, na semana que vem e em outros dias, eu vou continuar com mais dois pronunciamentos históricos. Agora, eu vou entrar na época de 1950, a segunda fase de Getúlio, até o período da ditadura militar. Depois, eu vou analisar os 21 anos do Governo militar no Brasil e fechar a minha fase de retrospectiva sobre educação.

Agora, vamos fazer uma análise atualizada, um compacto: como nós vamos arrancar, pegando todas as ideias do passado, para melhorarmos para o futuro, porque as experiências nós temos. Eu ouvi as experiências pontuais aqui e ali. Agora, nós queremos realmente deslanchar.

Eu estive agora, segunda-feira, Senador Paim, lá em São Paulo, num encontro sobre alfabetização em 360 graus. Foi convidado todo o País. É a comemoração dos 25 anos da Fundação Ayrton Senna, um grande painel sobre a educação em 360 graus. Você não pode ensinar o menino só a ler, só a parte cognitiva da leitura. Você precisa entender o ser humano, o menino dentro de um contexto além do cognitivo, também do socioemocional.

Aí veio o Prefeito de Sobral, que é irmão do Cid Gomes. Chama-se Ivo Gomes. Deu um show. Olha, lá atrás, há 22 anos, Sobral era um dos Municípios que tinha o maior índice de analfabetismo. Era realmente uma falta de aprendizado. Era um dos piores indicadores do Brasil. Hoje é o melhor do Brasil – é o melhor do Brasil. O melhor desempenho de uma prefeitura do Brasil é em Sobral, com 200 mil habitantes. Eles fizeram um dever de casa, envolveram a sociedade, criaram avaliações, criaram metodologias, fizeram o dever.

Então, em vez de nossos Prefeitos e Governadores irem à Finlândia, à Suécia, ao Canadá, buscarem método em Singapura, vão a Sobral, gente, vão a Brejo Santo, vão a Novo Horizonte, em São Paulo, vão às cidades pequenas do Brasil, porque os Prefeitos estão dando show.

Então, de um modo geral, o nosso Governo Federal é mau copiador – mau copiador. Se ele soubesse copiar os bons exemplos de Teresina, por exemplo… Teresina é a única capital do Brasil que melhorou, substancialmente, os indicadores de educação, evasão e repetência. Teresina, num Estado do Nordeste, gente! É Piauí! Que negócio é esse? Há também excelente exemplo no Estado do Pará. Há cidades paraenses gigantescas, que têm, da cidade ao seu limite extremo, mil quilômetros, que melhoraram muito o desempenho escolar. Boca do Acre, no Estado do Amazonas, perdido.

Para chegar lá é ou de aviãozinho teco-teco ou por água e anda a pé em trilha. Mas o Prefeito reagiu, e aquela evasão, aquele analfabetismo funcional regredindo ano a ano pela boa vontade do Prefeito, dos Vereadores e da população pobre de Boca do Acre, perdida não no Acre, mas no Amazonas. É a boca do Acre, para chegar ao Acre.

Então, gente, vamos copiar, copiar o Brasil! (Risos.)

Não precisamos ir lá fora, não, Senador Izalci. Não precisamos pegar avião, fazer tour pelo mundo afora, não. Vamos copiar o exemplo, o compromisso de brasileiros fantásticos que estão aí dando bons exemplos na área educacional, combatendo o analfabetismo. Por isso é que se fala lá no combate ao analfabetismo, na alfabetização em 360 graus.

Aí o Ivo Gomes falou o seguinte: “Mas, gente, eu não sei explicar como nós estamos tão bem em educação. Melhoramos tanto, tanto, tanto, mas nós não conseguimos acabar com a violência.” A violência é um desafio, mesmo se melhorando a educação. Então, ele fala: “A educação não é tudo. Nós temos que encontrar outro método para que a educação repercuta nos índices sociais de combate à violência e outras mazelas que existem”.
Então, era isso, Sr. Presidente.

Muito obrigado. Sou agradecido pelo tempo extra que V. Exa. me concedeu.

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