O guerrilheiro do Rio da Conceição

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O guerrilheiro do Rio da Conceição

Meu querido amigo Clodomir Santos de Morais, você é o cara.  Foi um socialista à moda antiga. Tinha que lutar para ser socialista de verdade. Passou pela máquina do tempo em Pernambuco, onde militou e aprendeu de tudo. Eleito Deputado Estadual e foi parceiro de Pelópidas Silveira, que se elegeu Prefeito de Recife, no peito e na raça. Aprendeu na ponta da língua o discurso da reforma agrária, o direito legítimo de posse para os que trabalhavam na terra e não tinham terra. Seguiu o primeiro rumo dos atuais movimentos sociais, como o MST, naquele tempo, anos 50, chamava-se Ligas Camponesas. Ficou craque no discurso e na ação. Brizola, Miguel Arraes, Mauro Borges eram governadores e apoiavam o socialismo e queriam chegar ao poder, seguindo o modelo cubano, de baixo para cima. Primeiro preparando as bases populares para a luta armada. A base popular era o sertanejo, o homem pobre sem conhecimento intelectual e que na linguagem dele fazia parte da maioria explorada neste país.

Com uma estrutura de jovens idealistas, armas e veículos fez parte da célula da Liga que se instalou no Rio da Conceição, no Estado de Goiás (hoje Tocantins). Ali bem perto está a cidade de Dianópolis, onde nasci e presenciei como adolescente, o trabalho de Clodomir e companheiros, na formação daquele povo, tão distante de qualquer ideologia, tão distante do espírito de luta, mesmo assim, eles não desistiam da arte da conquista e na sedução das pessoas. Abílio Wolney, velho e experiente político da região, que na juventude foi Deputado Federal no Rio Janeiro, logo desconfiou deles e espalhou a notícia de que eles eram comunistas. E todo mundo tinha muito medo de comunista. Porque na crença do povo simples do sertão, comunista era um tipo de gente que até comia criancinha.

Quando veio o Golpe Militar de l964, o Exército já sabia das Ligas Camponesas e caiu em cima para desaparelhar, prender ou matar os seus militantes. A turma do Clodomir foi localizada e desfeita. E foi bala pra cima deles. Alguns assassinados, outros presos. E Clodomir pulou à noite nas águas do Rio Manuel Alves e se deixou levar pela correnteza. Era novo, preparado para dificuldade. E não sei como chegou à Barreiras na Bahia e de lá pegou rumo do Chile e mais tarde para os países da América Central, onde se dedicou muitos anos da sua vida. Ele amava Honduras e a Nicarágua.

Eu era adolescente e não tinha entendimento para estes assuntos de política, mas, a lembrança destes barbudos na região está presente na memória. E o tempo passou. Vim me encontrar com Clodomir em Porto Velho, quando eu já era Deputado Federal e precisava me inteirar sobre os mistérios da Reforma Agrária, que ele era mestre no assunto. E falava de tudo com gosto imenso. Peguei particular amizade com ele. Sempre que o visitava me enchia os braços com seus livros sobre a Técnica de Preparação Massiva, que era justamente o seu modelo de formar jovens pobres e excluídos, internados dia e noite, por 90 dias. O seu objetivo era preparar esta juventude para o entendimento do trabalho, a busca de soluções para suas necessidades, a valorização das riquezas locais e no seu próprio meio poderiam viver com dignidade, autogerindo de maneira organizada. É a chamada teoria da organização social e econômica.

Como Prefeito de Ariquemes junto com Clodomir preparei várias turmas de TDEs (Técnicos em Desenvolvimento Econômico). Como Governador, ele ainda bem lúcido, preparou turmas de jovens de Guajará até Costa Marques, tendo índios como alunos e gente ribeirinha. Clodomir foi professor da Universidade de Rondônia, saiu cheio de medalhas de reconhecimento por mérito. E preparou muita gente no Estado.

Na minha campanha para Prefeito de Ariquemes em 2004, não andava bem nas pesquisas e setembro vinha chegando e eu estava atrás em 15 pontos. Clodomir me ligou e disse: – Confúcio mude a estratégia da campanha. Perguntei, mas, como? – Siga o modelo de Pelópidas Silveira e faça vinte comícios pequenos por dia, atacando a adversária nos seus pontos fracos. Eu segui seu conselho e deu certo. Não precisa aqui dizer os vários pequenos pontos fracos que repetia todo dia e foi assim, que consegui virar o jogo, seguindo o meu marqueteiro à distância, o inesquecível Clodomir Santos de Morais.

Com toda riqueza de história, Clodomir foi embora ontem. Resolveu se exilar definitivamente no universo. Porque ele foi e será um homem do universo inteiro. Aos 87 anos, em Santa Maria da Vitória na Bahia, ele pulou de novo nas águas do Rio Manuel Alves, para nunca mais voltar.

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