Mané Ruiz

Home / Poemas e Crônicas / Mané Ruiz
Mané Ruiz

Lá vem Mané Ruiz descendo a rua poeirenta, balançando a pança. A camisa aberta por falta de fecho e arrocho demais pra sua liberdade de se mover. Preferia a assim, para cumprir a convenção de se vestir, também a calça se arreava bem sobre o ventre, empurrada pelo peso do bucho. Nem se importava e ninguém ligava, porque Mané Ruiz foi sempre assim mesmo, seu desleixo alegre compunha a sua produção de vida, trabalho e em qualquer ambiente.

Ele tinha o visual adequado para o homem que veio para Ariquemes, muito antes da cidade existir. Quando tudo era ainda muito duvidoso e apenas, se ouvia dizer, que alguma dia teria por aqui, uma cidade nova, com gente de fora, para pegar terra e abrir fazenda. Mas, os nativos nem se interessavam por nada disto, apenas, a fazer o que sempre fazia, os costumes do lugar, o Rio Jamari ali por perto, ainda virgem de águas e bichos e tudo coberto de floresta.

Mané Ruiz não era feio e nem bonito, ele só era ele mesmo, um negro gordo, liso e bonito e muito alegre. Com tudo que falei antes, bem que poderia ser considerado feio, mas, pela sua graça e alegria, saia dele raios de felicidade e muita confiança. Era um vendedor de sonhos. Nem sei porque hoje, me deu este estalo para  escrever alguma coisa sobre Mané Ruiz. Sendo que bem pouca gente se lembra dele, a não ser gatos pingados e velhos, que ainda resistem o tempo e suas marcas embotadas na memória e na face e que residem por ali, bandas do Bairro Marechal Rondon.

O que me lembro dele, ali na Vila Velha (Marechal Rondon) era como pequeno comerciante de variedades, de tudo um pouco, desde a compra de borracha de seringueiro, caucheiro, couro de onça ou gato do mato, cassiterita ensacada (vendida pelos fundos, porque era proibida a extração) e tinha por lá no seu armazém de secos e molhados muitas miudezas para vender ou trocar.

Ele subia e descia, sempre de  sorriso largo, gritando cumprimentos, indo pro mato fazer negócio, para Porto Velho de ônibus e fretamento do único táxis do vaidoso Paulista. Este por sua vez, também de mil e uma utilidades, taxista, dono de bordel e o camarada mais mulherengo que tinha por aqui naquele tempo, anos setenta.

O Paulista também era gente boa, boca cheia de ouro, cordão grosso de ouro exposto no peito cabeludo, cabelo pintada de castanho para esconder a idade, perfumado no meio do calorão e da poeira. Ele se impunha, junto com Damião Prandine na lista dos homens elegantes da Vila de Ariquemes. Quando a sociedade de Ariquemes, anos mais tarde, foi fundar o Country Clube, fui o primeiro presidente e tinha que vender títulos para fazer dinheiro. Logo vendi para quem tinha que vender e o dinheiro era pouco. Vendi um título para o Paulista. A alta sociedade da época quase me castrou (você é doido, vender titulo da sociedade para um dono de cabaré?).

Mas, eu vendi. Precisava de dinheiro para as obras. E Paulista nunca pisou por lá.

Mané Ruiz que era o contrário,nem de longe elegante,  barrigudo, desleixado, boca suja de tanto falar besteira, por  tudo isto, estava ali um ser humano bondoso, servidor, preocupado e não havia dificuldade que ele não alumiasse a situação. Tinha despacho para tudo.

Mas, depois que o Garimpo de Bom Futuro foi descoberto, ele se fincou por lá até o fim da vida. Um dia deste ele pegou o táxis do Paulista, numa lotação composta da Maria Alice, Olavo Nobre e André, dois gordos e dois magros e por azar o pneu furou quatro vezes até chegar a Porto Velho. E o Paulista sempre mudava o Mané de lugar, alegando o peso descontrolado, quando estava no banco de trás furava o pneu traseiro do lado dele. Quando ficava no banco da frente furava o pneu do lado dele e da frente. Pegou fama de azarado,  pra onde fosse acontecia coisa ruim.

O Mané era gente boa demais.

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não pode ser publicado.