ZÉ PACOTE

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buritizalUma simples viagem no tempo. Uma regressão de mais de meio século. Se pudesse e soubesse viajaria pra frente. E lhe diria- como seria a vida daqui a 55 anos. Nem imagino. Para trás é mais fácil. É só puxar da memória e botar no papel. Mulher guerreira sempre houve no Brasil. Mas, sempre uma exceção no Brasil rural antigo. Imagine a vida de uma dona de casa há 60 anos? Era casar cedo, parir todo ano, lavar,  passar, forno e fogão. Raras aquelas que se insurgiam. Minha avó Joaquina foi diferente naquele tempo. Sertão de Goiás, hoje Tocantins, ela separada tinha vida própria. Encarava qualquer trabalho e topava qualquer parada. Uma delas foi ser  tropeira. Tropas de burros arreados, cangalhas, bruacas, chocalhos e cargas. Ia e vinha de São José do Duro (Dianópolis) à Barreiras na Bahia. Na ida levava carga de polpa de buritis, carne seca, rapadura e  gêneros primários. Trazia sal, tecidos, remédios e bebidas. 

Trecho de 60 léguas. Ela montada numa mula. Zé Pacote e mais dois companheiros acompanhavam. Pacote gostava mesmo era de seguir a pé. Cuidava da carga e descarga. Pear os animais nas paradas noturnas. Pôr chocalho na tropa. Alpergata salgabunda feita de couro cru. Dormia em esteira tecida com palha de buriti. Capa de chuva chamava-se carocha, feita de palha,  candeeiro queimava azeite de mamona. E de resto era deixar a vista morrer no infinito de uma paisagem igual. Veredas e campinas. O céu bem mais perto. Uma muralha dividia Goiás da Bahia – a Serra Geral. Enfileirados de buritizais guarnecendo a natureza de veados catingueiras, emas, seriemas, tatu bola e canastra, cobra cascavel. Pacote cuidava das pisaduras no lombo dos animais. Feridas abertas cronificadas pelo falta de recheio protetor. O peso cada vez maior da carga. O suporte estragado e contato da madeira ou do couro na pele do animal. Mastruz, sal e casca de árvores do cerrado, para o alívio das feridas. 

Zé Pacote conheci-o em vida. Era rude, analfabeto, sem salário, trabalhava pela comida, uma muda de roupa e uma esteira sem travesseiro para dormir onde se guardava a tralha das viagens. A travessia de muitos dias seguidos, parecia não ter fim, porque quando se chegava, logo tinha o dia de voltar. E assim foram anos. Os ermos e gerais de parte da Bahia, Goiás e Minas Gerais, tão absolutamente isolados.  Paisagem encantadoras. Um cerrado ralo,  coberto por capim “provisório”, brejarias que eram nascentes de grandes rios e riachos. Riqueza de frutas exótica, pequizeiro, baruzeiro,  coco catulé, mangaba, coco macaúba, buriti, gabiroba, araçá, caju do cerrado e um cenário de aves raras, papagaios, araras de todas as cores, periquitos, canários, codornas, pomba verdadeira. 

Volte hoje ao mesmo trajeto. Irreconhecível. Asfalto pra todo lado. lavouras de soja a sumir de vista. Mimoso, lugarejo de tropeiro, hoje, pujante município chamado Luiz Eduardo Magalhães. raros pelotões de buritizais, nem emas, nem seriemas, nem a cantoria no céu. Tudo foi mudado. Agora, meu irmão, não sei lhes dizer – se pra melhor ou para pior. Creio que não temos tantos Zé Pacotes no campo. Bolsa-Família tirou da miséria milhões de Pacotes. Há muitos brasis desconhecidos e profundos. O progresso é bom. Mas, a natureza pura e plena é muito melhor. Zé Pacote, figuraço, nunca o vi reclamar, tal qual as mulas da minha avó. 

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