RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.7) – Do período militar até os dias de hoje

RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.7) – Do período militar até os dias de hoje

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
115ª Sessão Não Deliberativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
08/07/2019

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Eu estou fazendo um levantamento, um estudo histórico, e esse é meu último discurso da série. A série da Netflix, não é? Então, eu estudei desde Pedro Alves Cabral, parei agora no período militar e eu vou terminar essa série de análise histórica da educação do período militar até hoje para a gente fazer um comentário, uma análise para depois a gente tomar as providências necessárias e já com muito argumento dos motivos porque a educação brasileira não conseguiu deslanchar em todas as fases da história.

Então, chegamos, Sr. Presidente, ao último dos nossos discursos sobre o estado da educação brasileira.

Avaliei que seria adequado realizar uma jornada pela nossa história, no momento em que nos aproximamos dos nossos 200 anos como Nação independente. Olhando para o passado, pode-se constatar que há certos elementos que impedem que nosso País, a despeito de todas as suas potencialidades, dê os passos decisivos para se incluir no rol das nações desenvolvidas.

O principal desses entraves diz respeito ao histórico atraso da educação brasileira. Tenho a mais absoluta convicção de que a educação é, dentre todos, o fator mais fundamental para o desenvolvimento de uma nação e, sem dúvida, deve ocupar lugar central na agenda nacional.

Lamentavelmente, a nossa história mostra um perturbador traço de continuidade em relação à educação, durante todos os anos como Nação independente. A continuidade é: a exclusão e a profunda e permanente desigualdade. De um lado, algumas pequenas ilhas de qualidade, comparáveis ao melhor que se pode encontrar em países desenvolvidos. De outro lado, imensos oceanos, em que a grande maioria da população ou não tem acesso ou encontra uma escola de nível abaixo do desejado. Em suma, a nossa história educacional pode muito bem ser caracterizada como uma escola para poucos ou, então, uma escola de qualidade para menos gente ainda.

É verdade que, em vários momentos da nossa vida nacional, como vimos ao longo dos discursos anteriores, houve movimentos entusiasmados em prol da educação. Os efeitos, porém, foram sempre limitados. Houve avanços, é verdade, e muitos professores e educadores merecem ser louvados pelos esforços, mas diversos problemas ainda permanecem.

Atentando-se para o período mais recente dos 33 anos desde o fim do regime militar, podemos observar pelo menos dois momentos particulares: o primeiro vai da Constituição de 1988 até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, de 1996; o segundo período se inicia no ciclo dos novos esforços feitos a partir da promulgação da LDB, que em diversas ações do Executivo, em níveis federal, estadual e municipais, andaram ao lado de muitas propostas legislativas.

Além disso, creio que é também momento em que devemos fazer um balanço da situação presente e, por fim, lançar um olhar para o futuro.

Pois bem, ao tratar do período que vai da Constituição Federal de 1988 até a LDB de 1996, é preciso olhar um pouco mais para trás. A longa transição para a democracia, iniciada com a distensão política, se mostrou um caminho lento, gradual, controlado e cheio de frustrações. Dentre os principais passos, podemos recordar o pacote de abril de 1977; a anistia política de 1979; a nova Lei dos Partidos Políticos de 1979 também; a eleição direta para Governadores de 1982; a frustrada campanha pelas eleições diretas para Presidente da República de 1984; a eleição direta para Prefeitos de capitais de 1985; a Assembleia Nacional Constituinte de 1987 e 1988; a nova Constituição em 1988; e, por fim, as eleições diretas para Presidente da República em 1989.

Em todas essas etapas, muito provavelmente o que deixou o País cheio de esperança em relação ao futuro foi o processo de elaboração de uma nova Constituição.

A ideia de uma assembleia constituinte remonta ainda aos fins da década de 70. Foi ganhando, pouco a pouco, energia e movimento, até se tornar parte dos compromissos do candidato de oposição à Presidência da República Tancredo Neves, do meu partido, o MDB.

A ânsia por uma nova Constituição era embalada pelo entendimento de que uma sociedade democrática necessitava de um pacto político feito sobre novas bases. Nas mais diversas áreas, grupos políticos e entidades se organizaram para apresentar suas demandas.

O Prof. Nelson Piletti, em artigo publicado no livro O Brasil no Contexto – 1987-2017, no qual nos apoiaremos nos trechos a seguir, observou que, no campo da educação, foi notável a ação do Fórum da Educação na Constituinte, que reuniu diversas organizações da sociedade civil.

Em 2 de abril de 1987, o fórum divulgou seu manifesto à Nação, defendendo:

a) a educação como direito de todo cidadão brasileiro;

b) vinculação constitucional de verbas para a educação;

c) democratização da escola em todos os níveis, quanto ao acesso;

d) verbas públicas somente para escolas públicas.

Dos pontos elencados pelo Fórum da Educação, apenas o último, “verbas públicas somente para escolas públicas”, que limitava essas verbas para os privados, não foi encampado pelos Constituintes.

O texto final da Constituição expressou as grandes expectativas que havia na época. Ao se falar, por exemplo, de objetivos educacionais, foram incluídos a família e a sociedade como corresponsáveis ao lado do Estado.

Em relação aos princípios, o destaque da inclusão da igualdade de condições de acesso e permanência na escola, o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, a valorização dos profissionais de ensino, a garantia do padrão de qualidade e a gestão democrática do ensino público foram importantes, e ainda a previsão do art. 208, da possibilidade de responsabilizar a autoridade competente em caso de não oferecimento ou de oferta irregular de ensino obrigatório.

Por outro lado, alguns comandos constitucionais atinentes à educação demoraram a sair do papel. Foi o caso, por exemplo, do Plano Nacional de Educação, previsto no art. 214 da Constituição: a sua primeira edição aconteceu apenas em 2001, com vigência por dez anos, até 2011, com objetivos ambiciosos, como erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhora na qualidade do ensino, formação para o trabalho e promoção humanística e científica em nosso País. Foram 294 metas, cujas concretização e avaliação de resultados se mostraram mais complexas do que o imaginado.

Outro sinal dos elementos complicados no debate educacional se deu em relação à elaboração da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em substituição àquela de 1971, promulgada durante o regime autoritário. O projeto apresentado por um Deputado Federal ainda em 1988 só foi lograr aprovação em dezembro de 1996, oito anos depois.

Tivemos uma lei que, mais uma vez, se mostrou bastante ambiciosa ao defender a gestão democrática, a autonomia e a flexibilidade na organização escolar da educação básica.

E o Prof. Nelson Piletti observou, por fim, que “são princípios que apontam para novos rumos, no sentido da descentralização e da liberdade dos sistemas para articular o ensino de acordo com as peculiaridades locais e as características e necessidades das escolas e de alunos”.

Um balanço que podemos fazer é que o País, em verdade, vem avançando na educação. A velocidade, porém, é bastante lenta, e há razões suficientes para essa exasperação.

No último dia 19 de junho, o jornal O Globo divulgou dados do Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua), levados a cabo pelo IBGE. Os dados são simplesmente estarrecedores. Em primeiro lugar – olhem bem este número –, 52,6% das pessoas com mais de 25 anos no Brasil, ou seja, 70 milhões de indivíduos não completaram a educação básica – 70 milhões de brasileiros não completaram a educação básica, não se formaram no ensino médio. Além disso, 40% da população brasileira com mais de 25 anos sequer concluiu o ensino fundamental – 40 milhões de brasileiros não concluíram o ensino fundamental, ou seja, 53 milhões de pessoas. Também o analfabetismo é escabroso. A meta do Plano Nacional para 2015 seria de 6,5% de analfabetos com mais de 15 anos. No entanto, a Pnad Contínua da educação 2018 informava um percentual que era de 6,8% e com enormes disparidades regionais: no Nordeste, 13,9%, enquanto no Sul, 3,6%, e no Sudeste, 3,5%.

Todavia, é importante assinalar que esses números talvez sejam ainda piores. O Instituto Paulo Montenegro produz periodicamente o relatório “Indicador do Alfabetismo Funcional”. Os dados relativos ao analfabetismo funcional, dados relativos a 2018, são preocupantes. Esse indicador divide o analfabetismo em cinco categorias – o analfabeto pode ser de cinco categorias. A primeira é o analfabeto mesmo; a segunda é o rudimentar; a terceira é o elementar; a quarta é o intermediário; e a quinta, o proficiente. Então, há quatro categorias de analfabeto, cada uma indicando um domínio progressivamente maior da leitura, da escrita, das operações matemáticas. Pois bem, os dois níveis mais baixos – o analfabeto e o rudimentar – compõem o que o instituto qualifica como analfabeto funcional, ou seja, incapacidade ou enorme dificuldade em reconhecer, por exemplo, informações de um cartaz, entender um bilhete simples ou ainda realizar operações matemáticas básicas.

Há, na verdade, uma redução histórica consistente no percentual de analfabetos funcionais ao longo deste século. Em 2001, nós tínhamos 39% da população analfabeta – em 2001 –, enquanto, em 2009, esse percentual caiu para 27%. No entanto, desse ano até 2018, o percentual de analfabeto funcional permaneceu estável, conforme a última pesquisa, e apresentou um leve aumento, passando a ser de 29%.

na última pesquisa e apresentou um leve aumento, passando a ser de 29%. Aqui a gente compara… Houve um avanço, sim, Senador Rogério. No ano de 1900, nós tínhamos 65% de analfabetos no Brasil. Em 1920, continuamos com 65% de analfabetos no Brasil. No início da década de 1950, 55% de analfabetos no Brasil. E vem caindo esse número e agora nós estamos com 29%, a grosso modo, e havendo regiões … Aliás, desse ano até 2018, passou a ser de 29%. Este ano, caiu um pouco mais.

Além disso, a última pesquisa Retratos da Leitura, realizada em 2015, apontou que 44% da população brasileira não lê, algo em torno de 50 milhões de brasileiros o 60 milhões não leem; e 30% nunca compraram um livro, nunca compraram um livro. Mesmo entre aqueles que se dizem leitores, o índice é baixo. O brasileiro, segundo a estatística, lê quase cinco livros por ano, sendo que 0.94 são indicados pela escola; 3% leem só um pouquinho, umas duas páginas; passam três, quatro páginas, fecham o livro e acabou. Então, não leram o livro, sendo que, desses, a maioria não terminou o livro.

Por fim, em relação ao Pisa, que é o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, o sistema de avaliação é uma referência mundial de desempenho dos estudantes brasileiros e, salvo exceções, exceções, é desalentador. Segundo dados da revista Exame, publicados em novembro do ano passado, no último Pisa, de 2016, o Brasil apareceu entre os dez últimos do ranking mundial. De 70 nações avaliadas, o País ficou em 63º lugar, 63º em Ciências, Matemática e Língua Portuguesa. Por aí vocês observam…

E o que podemos, caros Senadores e Senadoras, povo brasileiro, fazer para o futuro? O que podemos fazer para o futuro? Aí está a grande indagação sobre o que nós vamos começar a trabalhar de agora para frente. Fizemos a história. Vimos tudo como e que foi, que funcionou. Agora é a prática. O que nós vamos fazer de agora em diante.

O psiquiatra Daniel Barros, autor do livro Pais mal educado, bem definiu, em um artigo publicado em site da revista Exame o seguinte:

Existe crise no Brasil [que é] estrutural, histórica e limita o nosso potencial [e] a crise da aprendizagem. Precisamos parar de falar em educação de forma genérica e ir para os pontos que mais importam. O problema do Brasil é que as crianças e adolescentes vão à escola e aprendem muito pouco. Nosso sistema educacional falha no que deveria ser uma missão principal: ensinar.

No mesmo artigo, o autor vai ao cerne da questão para observar que há estudos, como o do Prof. Eric Hanushek, da Universidade de Stanford, que apontam o fator mais relevante dentro da escola para a melhoria do aprendizado, que é habilidade do professor. Essa é o ponto comum entre os países com cultura, história tão diversas, como a Coreia do Sul, Finlândia, Cingapura e tantos outros. Tais países aumentaram os incentivos para aqueles que queriam ingressar na carreira de professor, ao oferecer salários mais altos, melhores condições profissionais

oferecer salários mais altos, melhores condições profissionais, formação mais prática e voltada para o trabalho, dentro da sala de aula. É importante, ainda, observar o desprestígio social do professor.

O índice global de status dos professores, no mundo, em 2018, avalia o modo como a pessoas veem o professor. De acordo com a revista Exame, esse levantamento trouxe a informação de que os brasileiros avaliam que a percepção é de falta de respeito dos alunos, salários insuficientes e de uma carreira pouco segura para os jovens. Entre 35 países, o Brasil é o que menos prestigia o professor no mundo. E para aonde vamos?

Srs. Senadores, acho que o meu tempo está chegando ao final. Eu quero agradecer à Consultoria Legislativa, que fez esses estudos históricos para mium, muito bem redigidos, e quero aqui concluir o meu pronunciamento, o último dessa série, voltando à educação básica.

O caminho, pelo menos em parte considerável, diz respeito à melhoria da qualidade dos professores, que é o elemento básico da escola.

Melhorar o incentivo àqueles que desejam ser professores. Certamente, o item salário é importante, mas só isso não basta. É preciso também tornar a profissão socialmente mais respeitada. Assim, agressões a professores devem ser punidas com rigor absoluto, além da promoção do desempenho, que é algo a se pensar.

É preciso focalizar o treinamento, que deve ser fundado essencialmente na prática em sala de aula. O professor deve aprender a ensinar, a sua formação deve ser feita em torno dessa ideia: dentro da sala de aula.

Assim, Sr, Presidente, leio o último parágrafo.

O objetivo mínimo – mas não o único e sequer o final – ainda é aquele anunciado pelo Senador Bernardo Pereira de Vasconcelos no Império, um dos pais fundadores do Brasil…

(Soa a campainha.)

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – … em sua Carta aos Senhores Eleitores da Província de Minas Gerais – e Benardo de Vasconcelos falou isso há 190 anos atrás: “Ler, escrever, contar e a gramática da língua pátria devem ser os primeiros estudos de todos os membros de uma nação; esta aplicação é a mais essencial”.

Nunca vi uma coisa tão atual. Isso há 190 anos atrás e, falando hoje, é a mesma coisa.

Repito só o final: “Ler, escrever, contar e a gramática da língua pátria devem ser os primeiros estudos de todos os membros de uma nação; esta aplicação é a mais essencial”.

Muito obrigado, Sr. Presidente.

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