MARIA DO ANDRÉ – A primeira cesareana

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Maria era mãe de oito filhos. Grávida da nona. Tudo certo para Belmira fazer mais um parto. André era o marido, dona da pousada de palha , redes armadas para os clientes dos garimpos, seringueiros e coureiros. Ela de costume, trabalhou na cozinha até as dores chegarem. Desta vez o parto veio diferente e André começou a se preocupar, porque Maria nunca foi mulher de reclamar de parto nenhum. 

Ninguém acreditava que eu fosse médico na Vila de Ariquemes. Recém chegado, ainda novo, sem nenhum respeito profissional. Só Dr Rachid tinha visitado uma vez a Vila por ordem do Governador. Veio e voltou rápido para Porto Velho. Damião Prandine tinha cara de médico , pose de rico para o lugarejo, onde  burros cargueiros  já era muito. Elegante, educado, também parteiro. Era um “prático” de vida e de imensa coragem e ousadia.  Seu José vestia-se de branco. Fazia coquetel no soro contra malária. E tinha fama que malária e hepatite era com ele só. Tinha mão boa para estas doenças. Se não resolvesse nem médico resolveria. Era voa corrente no lugar. Belmira era farmacêutica de garimpo e parteira experiente. Socorria seringueiras e todas as mulheres das colônias. Eu cheguei, comecei atender numa barracão de madeira. Improvisado de tudo. Sem chances para concorrer com aqueles que o tempo havia consagrado. 

Ficava mais tempo parado subindo e descendo barranco do Rio Jamari para tomar banho. Tinha tempo para conversar com os moradores da Vila, todo mundo com o seu pensamento exatamente do tamanho do lugar e de suas vidas desconhecidas do mundo. Ali era eles e a natureza abençoada. Mais parte do meu tempo foi usado para receber colonos aventureiros que chegavam atraidos pelo Governo, para  um futuro incerto de reforma agrária.

Por fim Belmira entregou os pontos e me trouxe Maria para a cesareana. Eu queria e não queria fazer a operação. Seria imenso risco pra mim. Que só tinha uma mesa de parto, os materiais sem esterilização e nenhum auxiliar treinado. Mas, precisava fazer alguma coisa para ter o mínimo respeito, e ser considerado verdadeiramente médico . Sem opções fervi tudo numa panela de pressão. Joguei uma pedrinhas de formalina no pacote. Chamei Belmira para me auxiliar. E fiz a cesareana. Nasceu Rina. Hoje com 38 anos e reside em São Paulo. Maria ficou 24 horas na única cama que havia, a minha, colchões de lençóis ficaram ensanguetados. Tudo deu certo. E me tornei médico da Vila como um batismo consagrador. E tudo começou assim, em cima de muito atrevimento e contrariando as boas regras aprendidas na faculdade de medicina. Era o homem e o  momento. E nada mais. 

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