Cada qual com sua justiça

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Cada qual com sua justiça

Os dois,  além de amigos,  foram pioneiros de Ariquemes, posso dizer, gente boa. A situação faz o homem e o ambiente muda a razão e o pensamento. O João e o Joaquim se meteram no Garimpo de Bom Futuro, na febre da cassiterita dos anos 80.  Bom Futuro era montanha de cassiterita. A notícia correu o país e veio gente de todo lado. Virou uma Torre de Babel. E ninguém se entendia mais. Cada grota recebeu um nome; Grota Rica, Cachorro Sentado e por aí vai. Sabe como é que garimpo, tudo caro, remédio, comida, gasolina, roupa, tudo pelo olho da cara. Bodegas, hospedaria, cabarés, forró e curandeiros.

Cada um chegava e marcava o seu território. Isto aqui é meu. Ali é seu. Acolá é do outro. Ninguém tocava em terra de vizinho. E foram se criando regras, leis próprias, costumes de garimpo. E gente morrendo de malária, de acidente, de bala, debaixo de barranco. Os “requeiros”  (que não tinham terra), trabalhavam no aproveitamento da terra lavada, que se chama de “melexete”.

Assumi a Secretaria de Estado da Saúde, tinha o clamor por um hospital em Bom Futuro. Como que dinheiro, meu irmão! Tratei de pensar na alternativa. Foi construído um barracão de tábua coberto com telha de amianto, sem paredes laterais, banheiro no estilo garimpo  e vários pontos para armação de redes. Os doentes ficavam em redes. Único médico que aceitou o desafio de ficar lá foi o Dr. Nelson Gaúcho, homem acelerado, não tinha medo de nada e dava conta do recado, com a Graça de Deus.

Juntamos comerciantes da cidade de Ariquemes para construir o IML, que existe ainda hoje, do jeito que foi construído há mais de 26 anos. Os cadáveres do garimpo vinham enrolados em lona preta, em avançado estado de decomposição. Sem lenço e sem documento. E ficavam jogados às moscas no cemitério, esperando por parentes, que nunca chegavam.

E o João comprou fiado pedaço de terra, motores, bombas, canos e mangueiras do Joaquim, tudo combinado, dia para pagar e a moeda era arroba de minério. João azarado pelo destino, “blefou” e não conseguiu tirar minério nenhum. A terra não produzia mais nada. Ele sem experiência entrou no “conto do vigário” e não teve dinheiro para o acerto. Joaquim avisou pra ele, ou paga ou morre. João veio parar aqui na rua, juntou os amigos, eu fui um deles, para conversar com Joaquim, fomos em comissão à casa dele, respeitoso, como sempre, mandou fazer até café com bolinho de arroz. Ao final agradeceu a presença e nos disse: “a lei da rua se resolve aqui, a lei do garimpo se resolve é lá”.

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