BENTO RODRIGUES: a devastação pela lama

Home / Poemas e Crônicas / BENTO RODRIGUES: a devastação pela lama
BENTO RODRIGUES: a devastação pela lama

Tirei das imagens que vi, a vontade de colocar no papel o sentimento de dor. Não sei se dá para tirar o sentimento de dor e colocar no papel. Não sei se dá para se fotografar a dor dentro de uma pessoa. Ou colocar no cinema a imagem do sentimento. E o  espanto de ver o mundo se acabar, como num dilúvio de lama.  Porque não foi o mundo inteiro que se destruiu debaixo da lama ou arrastado por ela, foi a aldeia, o Distrito de Bento Rodrigues, mas, aquele distrito é o mundo, como a casa é  o mundo inteiro.

Duas mulheres ousaram visitar os escombros ontem. E por cima da lama foram identificando suas moradias atolados e destruídas e cada uma, tirando de dentro algumas palavras gemidas, impossíveis de serem repartidas com outros, palavras e sentimentos próprios. Aqui era a casa da minha mãe, que não foi localizada e que deve estar sepultada aí embaixo  sob três metros de lama ainda amolecida. Não dá para voltar mais. Não dá  para abraçar as amigas nas ruas. Não dá para levar os meninos para escola, porque a escola acabou. Não dá para cozinhar porque a cozinha não há mais.

A outra mexendo entre lama e  pedaços de paredes vermelhas, cutucou com o dedo e achou a chave da dispensa que não existe mais. O anel da mãe pendurado num prego. E agora, eu pergunto a vocês, este sentimento poderá um dia ser esquecido? Esquecido como se esquece do nosso morto que se foi? Ou esta dor é maior que a dor da morte de um ente querido? Que este sentimento une ou desune? Que este desastre tem alguma coisa boa para nos dizer escondido na destruição? O que uma casa nova, um mobília nova satisfará a todos os moradores arrancados no susto, dos seus cantos, querendo apenas, uma coisa: sobreviverem?

O Rio Doce morreu afogado na lama. A lama de uma mineradora de ferro. A água do rio ficou vermelha e densa. E chegou ao mar. E tudo ficou assim mesmo, destruído, enquanto a artigo 225 da Constituição diz dos Estudos de Impactos Ambientais e seus Relatórios. Mas, ninguém liga para a Constituição. E nem acredita em desastre. E todo mundo subestima a política ambiental. E que o desenvolvimento, ganhar dinheiro é mais forte do que o sentimento, do que a dor. É a banalidade do MAL. O MAL querendo mudar a história, mudar a natureza, pensando que está fazendo o bem. O MAL  do modelo de desenvolvimento clama por outro modelo de sociedade, de comportamento, de regras, de hábitos. É preciso desconstruir o modelo, onde o IDH e o PIB  sejam  mudados, porque ninguém mediu o Índice de Felicidade (IF) de Bento Rodrigues, que também é um indicador extremamente ignorado. Eu quero fotografar a felicidade, o sorriso, os dentes brancos e os sem-dentes. Eu quero filmar não as imagens das pessoas, mas, pôr na tela os seus pensamentos e suas tristezas. Um filme que ainda não foi feito.

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não pode ser publicado.