A regularização fundiária deve ser uma prioridade nacional

A regularização fundiária deve ser uma prioridade nacional

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
8ª Sessão Não Deliberativa da 2ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
17/02/2020

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Senadores Rogério Carvalho e Elmano Férrer, é uma satisfação ter vocês dois aqui nesse dia de segunda-feira.

O meu discurso vem, assim, na rabeira de outros discursos seus aqui, Senador Izalci, sobre regularização fundiária; V. Exa. já o fez; o Senador Telmário acabou de falar aqui do Estado de Roraima, da situação gravíssima da regularização das terras. É um Estado sem terras do Estado, não é? As terras na Amazônia e na maioria do Centro-Oeste brasileiro são terras da União. Eu fico pensando assim: que contrassenso é esse? Para que a União quer ser dona de terras em Roraima? Por que a União quer ter terras devolutas no Mato Grosso ou em outros Estados? Não sei qual é esse sentimento de capitania hereditária, esse sentimento de colônia portuguesa que não acaba nunca.

Em dezembro passado, Sr. Presidente, o Governo enviou para o Congresso Nacional a Medida Provisória 910. Entre outras coisas, dispõe sobre a regularização fundiária de propriedades rurais – e eu estenderia – e urbanas também porque um móvel qualquer, um condomínio qualquer tudo isso envolve lei de terra, lei de propriedade. A medida provisória tem que abranger as cidades e o campo. Mas vou tratar aqui do campo especificamente e mais ainda agravada no Centro-Oeste e na região da Amazônia Legal.

É uma anomalia da União ser proprietária de terras, como se ainda estivéssemos lá atrás, na época das sesmarias, na época das capitanias hereditárias, da colônia portuguesa e deixando nossos Estados e Municípios como gerentes apenas dos conflitos. Nós somos gerentes de conflito. A encrenca é com os Estados. A encrenca é com Brasília das invasões que existem aqui em Brasília, das ocupações indevidas que sobram para os Deputados Estaduais legalizarem, sobram para o Governo do Distrito Federal. Lá no Nordeste até que o Nordeste está mais ou menos arrumado. O Sul e o Sudeste também estão, devido ao tempo histórico desses Estados, como Pernambuco, que é de 1800 e pouco. Aliás, desde o descobrimento do Brasil, ele foram ajeitando essa situação da terra. Mas sobra para os Estados a violência, os conflitos, o desmatamento irregular e tudo isso.

Mas a regularização fundiária deve ser uma prioridade nacional – uma prioridade nacional –, para abrir oportunidades aos atuais ocupantes de virem a exercer a capacidade empreendedora rural e empreendedora natural consagrada neste País, como está registrado nos dados da nossa economia, porque a agricultura, pequena, média ou grande, movimenta esta economia brasileira sobremodo. Graças a Deus, ela existe devido à capacidade e ao dinamismo dos nossos produtores rurais.

Ninguém tem os dados corretos. Ninguém sabe exatamente quantas propriedades estão ocupadas por famílias há tantos anos. Esse é mais um chutômetro do que uma realidade estatística.

Em Rondônia, a estimativa é de que haja 70 mil propriedades sem documento – 70 mil. Uma propriedade hoje, que tem 70 mil, amanhã pode ter 75 mil, porque a pessoa, o pioneiro falece, morre, deixa os herdeiros. Divide-se a terra, um pedacinho para cada um, e cada um passa a ter uma unidade, uma produção. Era uma só. Agora, ficaram cinco, com a partilha da terra por herança.

Então, não há número exato.

Inclusive, há falta de documentos – adiante vou mostrar aos senhores – em assentamentos oficiais do Incra. São assentamentos em que o Governo foi, assentou a família naquela propriedade, deixou lá, esqueceu deles e nunca levou documento. Deixou lá a pessoa na condição desumana, sem capacidade de produção.

É um contrassenso inadmissível um órgão oficial demarcar, entregar a terra para uma família e deixá-la ao abandono.

O País tem uma dívida histórica com os seus produtores rurais. É uma dívida histórica, pois, com o seu trabalho, põem, em nossas mesas, os produtos hortifrutigranjeiros, o arroz, o feijão, o leite. Vem tudo da agricultura familiar. Estão produzindo nas chácaras, nos sítios, em torno das cidades, nas pequenas glebas. Eles estão lá trabalhando.

E é preciso que regularizemos já essas propriedades, levemos o documento de dignidade, de modo a trazer a paz, a tranquilidade no campo para todos.

É preciso entender que somente com uma atitude firme vai regularizar propriedades que não tenham documentos. Não é só uma questão legal ou de Justiça. Há um impacto econômico significativo.

Rondônia multiplicaria – dou o exemplo do Estado que represento – e muito a sua riqueza, aumentando alimentos. Nós somos especialistas em produzir comida – Mato Grosso, Goiás, Centro-Oeste, Nordeste. A pequena propriedade é especialista em produzir alimentos. Produz comida mesmo, dá o seu jeito e produz com a unha, com o jeito, com a experiência, com a tradição. Como podem, trabalham.

A regularização fundiária para esses “posseiros”, entre aspas, abram-se e fecham-se aspas. E não cabe bem aqui a palavra posseiros. É um ocupante legítimo dessas áreas de chácaras, sítios e fazendas. Essa palavra é ofensiva à dignidade desses produtores. Todos querem a escritura e o registro. Ele quer pôr na gaveta, quer pôr no armário, quer mostrar para os parentes: “Eu tenho essa terra. Aqui está o documento”. Quer mostrar para os filhos, até falar assim: “Eu posso morrer agora e deixar uma terra documentada para vocês”. É assim o sentimento de grandeza dessas pessoas para produzirem mais com esse documento. Abrir a porta desses bancos. Os bancos têm dinheiro, gente. O Banco do Nordeste tem recursos para emprestar. O Banco da Amazônia tem recursos para emprestar. O Banco do Brasil tem recursos para emprestar. O BNDES tem recursos para emprestar. Então, basta criar essa oportunidade e levar esse crédito, esse crédito para essas famílias, pequenas, famílias de pequenos produtores, um pouco de crédito, um pouco de acreditação neles para que eles produzam ainda mais.

Para que o Governo Federal, para que a União quer ser proprietária de terras no Brasil inteiro, terras devolutas, para quê? Eu acho que é isso, essa indiferença, a burocracia, a judicialização. Os tribunais estão cheios de ações, ações que rolam 20 anos, 30 anos, ações que a pessoa que impetrou a causa já morreu. E o processo está lá, parado, andando lentamente, sem solução. Atos verdadeiramente criminosos que ferem princípios, posso dizer até direitos humanos. Se nós legalizarmos e entregarmos a documentação, a escritura e o título, a nossa riqueza dobra em cinco anos. Lá no Estado de Rondônia, eu tenho certeza, com 70 mil títulos ou mais oferecidos, a gente dobra a riqueza do Estado rapidamente.

Então, Srs. Senadores, Sr. Presidente, existem boas leis no Brasil, muitas leis, excelentes leis que já poderiam ter resolvido grande parte da problemática da terra no Brasil e todas as consequências que advém da ilegalidade, principalmente para os pequenos produtores familiares. A verdade, Sr. Presidente, é que a agricultura familiar é um setor muito importante, pujante na economia agrícola brasileira. Basta lembrarmos que é ela na verdade que põe comida na mesa da gente, como já falei há pouco, nas feiras. Eu gosto de feira. Eu gosto de ir em feiras livres. Eu gosto de circular no meio das bancas e ver o furdunço da venda, da pessoa oferecendo os seus produtos com aquela alegria, com aquela comunicação fácil, segurando o freguês ali, vendendo para ele, competindo. São fantásticos comerciantes, pequenos. Basta lembrar que ela, a nossa economia agrícola, é que põe a comida, pois cerca de 70% dos nossos alimentos do dia a dia vêm da agricultura familiar. E gera renda, gera US$55 bilhões por ano. A agricultura familiar não é o agronegócio, o grande, não. Com essa renda, a nossa agricultura familiar sozinha, sem contarmos aí o agro, que é poderoso e forte, capaz e que inova, ocupa a 8ª posição entre as dez maiores agriculturas do mundo… Basta analisar os dados: 70% do feijão vem da agricultura familiar; 34% do do feijão vem da agricultura familiar; 34% do arroz vem da agricultura familiar; 60% do leite vem das pequenas propriedades; 59% do rebanho suíno (criação de porcos) vem deles também; 50% das aves, 30% dos bovinos, principalmente leite, também são produtos da agricultura familiar.

Fora isso, os Municípios pequenos brasileiros, abaixo de 20 mil habitantes, 90% deles dependem da renda da agricultura familiar. Noventa por cento dos pequenos Municípios dependem da agricultura familiar. Quarenta por cento da população economicamente ativa do Brasil tira sua renda da agricultura familiar, que ocupa 70% das pessoas que trabalham no campo. Incrível!

A Medida Provisória 910 traz novidades, simplifica, desburocratiza; mas somente ela, Senador Elmano, não resolverá, a toque de caixa, a política de regularização fundiária necessária, de que o Brasil necessita. A dramática situação das áreas exploradas em nosso País. Precisa mais. Precisa de dinheiro, precisa de orçamento, precisa de recursos. Porque a lei já existe. Vem mais essa, provavelmente aprovada, ela será aprovada. E daí? Cadê o recurso para descentralizar para os Municípios? Cadê o dinheiro para financiar a compra de terras para assentar colonos em situação de infraestrutura necessária?

Não jogar os pequenos agricultores familiares ao léu da sorte, a grandes distâncias, a confins do mundo, em assentamentos que nem pesquisa de solo têm. Despeja lá para dizer, “vamos botar vocês aqui para nos livrar de vocês, que estavam acampados à beira da estrada, perturbando o fazendeiro. Então vai lá para o fim do mundo. Pega essa terra aí então. Você quer terra? Está aqui.” Mas não têm estrada, não têm condição, não têm crédito, não têm casa, não têm essas coisas. Então…

E o Incra hoje está tão desprovido de recursos, de pessoal e de tudo. Precisamos de recurso.

Então o Governo, assim como ano passado, vocês se lembram muito bem, aqui não lembro se o mês foi julho, junho ou agosto, aprovamos aquele crédito suplementar de 248 bilhões, autorizando o Governo a emitir papéis para pagar pensões, aposentadorias, Bolsa Família e bonificações continuadas, não é? Duzentos e quarenta e oito bilhões para poder socorrer, pagar no dia certo. Da mesma forma é aqui. Aqui é da mesma forma, isto aqui, essa situação. Para regularizar essas terras de dois terços do Brasil, precisa de recurso.

Então, do mesmo jeito que encontrou ano passado, há que encontrar aqui, dinheiro novo. Ou dinheiro do BNDES, ou dinheiro do Banco do Brasil, ou dinheiro do orçamento da União, que nós sabemos que não há, quem é aqui da Comissão de Orçamento, o Senador Izalci faz parte da Comissão de Orçamento, ele sabe que não há dinheiro para investimento. Não há, não há e não há. Nós vamos zerar o déficit em 2024, Senador Elmano. Em 2024. Então não há.

Então nós temos que caçar uma modalidade nova, de o BNDES, que é poderoso, aprender a investir nas prefeituras pequenas, com esse objetivo líquido e certo, que é a regulação fundiária.

Muito bem, então esse é meu ponto de vista e a experiência que eu tenho, que eu queria muito, como Governador, ter feito mais. Eu só consegui, colocando gente, pagando diária, com recursos do Estado, 4,5 mil títulos, oferecendo carro, veículo, combustível, diária, pagamento, topógrafos, engenheiros, todo esse pessoal do ramo. Nós colocamos à disposição do Governo Federal, dentro do Incra, dentro do Terra Legal, para facilitar. Eu só consegui, infelizmente, 4,5 mil. Eu queria 30 mil, 40 mil e só consegui 4,5 mil. Sei que tão cedo não teremos esses recursos para essa execução, mas eu dei aqui os rumos que nós poderemos ter.

O Fernando Henrique – eu não lembro a data exata, se foi em 1996; eu era Deputado – criou o Pronaf, lá atrás. Ele criou o Pronaf com três, quatro ou cinco modalidades. Hoje tem mais de 20. Hoje um menino pega crédito, o filho, a mulher pega crédito, o proprietário pega. As cooperativas, as associações também pegam o Pronaf. O Pronaf é um dinheiro pequeno, mas é um dinheiro bom, é um dinheiro de juro baixo, é um dinheiro que movimenta, que tem carência. Dá tempo de plantar, de colher, de pagar. Certo é que todo mundo paga. Pobre paga a conta. Pobre paga a conta. Todo mundo sabe que pobre paga a conta, porque, como se diz, tem muita vergonha na cara de ser cobrado. Se o pobre receber uma cobrança em sua porta, ele morre de vergonha. Então, ele paga, dá o jeito dele. Então, o Pronaf está aí.

Mas o que precisamos? Hoje não atinge mais gente porque não tem documento, não tem garantia bancária. Isso atrapalha muito a vida dessas famílias.

Regularizar a posse da terra é um ato de grandeza enorme. Regularizar a posse da terra é uma nova independência, é uma nova abolição, é um abraço da Justiça e, antes de tudo, é um ato de crença, é um pacto federativo, tão falado em prosa e verso, mas não acontece. Chega de sesmarias, capitanias, terras devolutas da União. Chega de interferência na vida das pessoas. Regularizar títulos que garantam a posse legal da terra é um ato amplo de cidadania, sem falar que a regulação fundiária diminuirá a grilagem, com reflexo nos conflitos agrários, e aumentará a capacidade do Estado de monitorar e fiscalizar as suas terras, garantindo, entre outras coisas, uma arrecadação de impostos mais eficiente.

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – Então, eu quero assim dizer a todos – e já estou encerrando – que o Estado de Rondônia foi um maravilhoso laboratório para a reforma agrária. O Senador Izalci passou por lá, pela cidade onde eu resido, que é Ariquemes. Na década de 70, Senador Rogério, a cidade praticamente não existia. A população da área, hoje, é de pouco mais de 100 mil habitantes. Em toda a cidade, quando eu cheguei lá na década de 70, não existia nenhuma casa. Eu morava na beira do rio. Então, hoje, é uma cidade de 110 mil habitantes, linda, maravilhosa.

Foi projetada por um arquiteto aqui da UnB. Em poucos anos virou uma cidade espetacular. Tem tudo. Pode morar lá tranquilo, qualquer pessoa. Há aviões para lá, para cá. Não vou falar que há tudo, como aqui em Brasília, que há tudo igual, mas é quase igual, e a gente vive muito bem por lá.

O exemplo rondoniense de Mato Grosso, Tocantins e uma ponta do Piauí, região de Corrente para cima ali, com a Bahia, com Barreiras, aquele canto ali de Luís Eduardo Magalhães, aquilo tudo foi dessa época. Não é?

(Soa a campainha.)

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – Então, lá é um bom laboratório de sucesso da reforma agrária. Só que o pessoal de lá não tem documento. E vão se virando.

O Incra já assentou no Brasil cerca de 970 mil propriedades. Eu não vou mais detalhar, que o tempo já esvaiu, eu vou só fazer o encerramento.

Sr. Presidente, na medida provisória, que se encontra atualmente em tramitação na Comissão Mista, temos a oportunidade única de mudar a situação; mas são necessários recursos de quaisquer fontes para este sonho de um Brasil grande e produtivo. Eu digo que esta lei, mais uma, venha com vontade política de fazer. Que seja um ato revolucionário de rompimento da inércia e que abra as portas da esperança. Tenho certeza de que o Congresso dará, mais uma vez, a resposta necessária com a lei aprovada e emendada.

O Brasil precisa se encontrar consigo mesmo, olhar nos olhos do seu povo, deixar a procrastinação, que é um ato de condenação antecipada, e trazer a liberdade, o orgulho de viver e produzir.

Era só isso, Sr. Presidente.

Muito obrigado.

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