A lanterna na boca

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A lanterna na boca

Sem segredos, o fato e o nome. A data exata, confesso que não me lembro mais. Deve ter sido início dos anos 80. O PMDB andava numa baixa danada. Jerônimo tinha perdido uma eleição e o partido estava em frangalhos. Amir Lando era Deputado Estadual e fizemos um pacto de levantar a moral do partido, em todos os cantos do Estado. Cidades, distritos, sítios e linhas.

Desta feita a comitiva era com Jerônimo Santana, Amir Lando, João Bento, eu e mais alguns outros fanáticos partidários.

João Miguel e Dolores tinham um “buteco”, que naquele tempo eles davam o nome de “buliche”, onde vendiam cachaça, saldaginhos e mais alguns gêneros de primeira necessidade para gente da roça. Ficava no quilômetro 90 da BR -421, bem depois de Boa Vista (atual Monte Negro), rumos de Campo Novo. Álvaro Ronconi dono da região nos acompanhou, Peron também. Os dois também eram do “mandabrasa”, nome que se dava ao MDB.

Levamos uma placa com o nome do subdiretório do 90 e pregamos num galho de uma mangueira. Bebemos alguns goles de pinga, juntou gente, Jerônimo fez o discurso, como sempre, derramando veneno na ARENA  e no Governo do Teixeirão. Muito bem, conversa boa, cheios de ilusões e sonhos, noite chegando, pegamos jipe, estrada de chão e pegamos o caminho de volta,  para chegar noite adentro em Ariquemes.

Ali na beira do Riacho Bom Futuro, pé da serra, morava o amigo Belchor de Carvalho, um camarada gente boa, que não deixou ninguém sair sem jantar. E a conversa rolou para o lado da caça, da espera de paca, de matança de veado, de onça, de anta,  estas coisas da época, porque bicho do mato tinha de sobra. Animou o Amir que sempre foi amante dos trepeiros de espera. E nós que nunca fomos amantes de matar bicho pegamos o caminho de casa.

Amir ficou por lá e foi para o caçada noturna com Belchior. Fizeram o jirau, espingarda e bala, faca e lanterna, cabaça  com água.  Ficaram algum tempo por ali desacomodados com tanto pium e um monte de mosquitos bravos da floresta. Mas, tudo bem, a expectativa e o desejo por este esporte extravagante eram bem maiores que o incômodo das picadas dos insetos. Silêncio profundo na mata virgem. Daí a pouco lá vem os passos batendo na folharada.Veio para o lado do Amir, que atento, focou a lanterna na cara de uma  paca, ele pensou que até fosse uma onça, porque na noite o barulho ficou tão grande, que ele se iludiu.

Ela vinha aflita roer cocos e flores caídas no chão. Amir atirou, a paca atingida saiu cambaleando no meio do matagal, ele botou a lanterna na boca e desceu do trepeiro, meio acelerado, para pegar o bicho e agarrada ao tronco. Ele sempre foi gordo, não aguentou o peso do corpo e despencou lá de cima e bateu com a boca no chão e o pior que a lanterna estava na boca. No baque a lanterna entrou goela abaixo, rasgando céu da boca, abrindo um rombo até  na lingueta lá do fundão, levando junto alguns dentes.

Foi sangue de meter medo e ele nem conseguia falar direito, cusparando sangue vivo e empelotado. Chegou pela madrugada em Ariquemes e foi direto me acordar para o socorro. Dei uma olhada e falei “Virgem Maria”. E tratei de bater à porta do Dr Mauro Pedro, dentista de bom nome e fama, que com toda paciência que Deus lhe deu, conseguiu costurar a boca do nosso querido Deputado e o melhor de tudo, ficou um serviço de primeira categoria. De lá pra cá, eu nunca mais fiquei sabendo que Amir subisse, de novo, num trepeiro de espera.

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