RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.3) – Da Proclamação da República até 1930

RAÍZES DA DESCONSIDERAÇÃO COM A EDUCAÇÃO (Ep.3) – Da Proclamação da República até 1930

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
92ª Sessão Não Deliberativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
07/06/2019

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Parlamentares, Senador Kajuru, Senador Paim, os demais que estão nos gabinetes, nosso querido Presidente Izalci Lucas, é com imensa satisfação que eu retorno a esta tribuna para dar continuidade aos discursos em série que eu estou fazendo sobre a história da educação, desde o descobrimento do Brasil até hoje.

Eu ainda estou na Velha República de 1920, da Proclamação da República até 1930.

Há 40 anos que eu estou estudando, e hoje o meu discurso vai ainda na Velha República, mostrando a educação nos anos 20 – de 1920 a 1930. Essa série que eu estou fazendo, igual a essas séries da Netflix, é para mostrar, verificar o que é que a gente pode fazer hoje, o que é que deu errado nesse sequenciamento histórico do Brasil, onde nós erramos. É igual à mãe do menino, que, de vez em quando, quando o menino faz besteira, entra para o alcoolismo, entra para as drogas, ela fala: “Mas onde é que eu errei? Onde é que eu errei?” Então, nós estamos aqui agora analisando onde é que nós erramos no Brasil sobre a educação, porque, passado esse tempo todo, até hoje a educação brasileira, infelizmente, é uma das piores do mundo. É muito mal avaliada no cenário mundial.

Então, assim, eu continuo o meu discurso em série, e hoje eu estou aqui exatamente no ano de 1920. Uma das primeiras tentativas de universalização do acesso ao ensino foi a reforma de Sampaio Dória em São Paulo, em 1920, preocupado com o fato, naquela época, de a metade da população de sete a 12 anos estar fora da sala de aula. Então ele era chefe de instrução pública do Estado de São Paulo e propôs uma etapa inicial de dois anos de educação gratuita obrigatória. O projeto, logicamente, não avançou, mas inspirou outras iniciativas importantes mais para frente.

Em 1922, era a vez do Ceará, por meio da reforma realizada por Lourenço Filho, encampar o ideal do ensino público, universal e gratuito. Em 1925, as mudanças chegam à Bahia com Anísio Teixeira – Anísio Teixeira é, realmente, importantíssimo; estudou, trabalhou muito na educação brasileira, até pouco tempo atrás –, também com suas ideias revolucionárias. Em 1927, Francisco Campos reforma as bases do ensino no Estado de Minas Gerais. Por fim, em 1928, Fernando Azevedo, no Distrito Federal, Rio de Janeiro, e Carneiro Leão, em Pernambuco, também propõem a ampliação de rede de escolas e a reformulação curricular.

Como se pode perceber, as propostas ocorrem, sobretudo, no âmbito dos Estados – isso é importantíssimo ser falado: ocorre nos Estados; é São Paulo, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro, Minas Gerais, que foram fazendo as coisas acontecerem na área da educação por iniciativa dos seus Governadores. As discussões passam ao largo do Congresso Nacional – no Senado, Câmara dos Deputados, não se falava nada de educação –, limitado pelas restrições impostas pelo modelo federativo, adotado na Constituição de 1891.

Destacam-se, porém, três grandes reformas federais no período, todas elas gestadas pelo Ministério da Instrução Pública, sem muita participação do Congresso Nacional. A reforma de Rivadávia Corrêa, de 1911 – um pouquinho antes –, de cunho liberalizante, que promove uma desregulamentação radical na educação; a reforma de Carlos Maximiliano, de 1915, que reverte a autonomia conferida, cria o exame vestibular – em 1915! – e estabelece a inspeção rigorosa dos estabelecimentos de ensino.

E aqui há a reforma de Rocha Vaz, essa reforma de 1925, que institui – parece que é hoje, olhem bem essa coisa aqui – , o controle ideológico sobre o sistema de ensino – olhem, o que o professor pensa e o que o aluno pensa em 1925 –, que instituiu o controle ideológico com a criação do componente curricular, a Instrução Moral e Cívica. Então, aquela disciplina Moral e Cívica foi criada em 1925 por Rocha Vaz. Olhem bem a preocupação com o controle ideológico e as expressões das escolas.

À parte das iniciativas governamentais, são criadas ao longo da década as primeiras escolas operárias geridas pela própria comunidade e inspiradas nos ideais anarquistas e na pedagogia libertária de Francisco Ferrer Guardia.

Por fim, começam a se destacar no período os precursores da Escola Nova, que defendiam a escola pública, laica, igualitária, sem privilégios, cujo manifesto, porém, seria oficialmente publicado em 1932, já no período Vargas. Nesse último caso, o entusiasmo pela educação começava a ser substituído pelo otimismo pedagógico, que passava a ver na qualidade da educação um dos fatores que limitavam a sua universalização.

Propugnava a Escola Nova não apenas o alargamento e a difusão da rede de ensino público, mas a transformação pela educação do homem brasileiro com a devida preparação técnica para as tarefas sociais.

Todas essas disparidades, Srs. Senadores, vão sendo canalizadas para a lenta e progressiva construção de um consenso sobre a importância da educação, que deságua na criação, em 1924, da Associação Brasileira de Educação, liderada por Heitor Lyra da Silva. A Associação Brasileira de Educação promoveu, entre 1927 e 1929, as três primeiras conferências nacionais voltadas para os interesses da educacionais. É importante isso.

A movimentação do período em que ideais positivistas e humanitários de católicos anarquistas escolanovistas passaram a concorrer pela definição da agenda nacional do País. Não produziu, porém, resultados expressivos. Olhem que tristeza: todo diagnóstico feito, mas não foi para frente o movimento da Associação Brasileira de Educação. Não apenas a taxa de analfabetismo continuava muito expressiva, isso em 1927, mas também as taxas de reprovação atingiam a metade dos alunos matriculados, e a evasão escolar também era uma regra geral.

Em 1935, ou seja, cinco anos após o fim da República velha, 54 % das crianças brasileiras ainda estavam fora da sala de aula. Olhem, 54%, na década de 1930, não estudavam de jeito nenhum. Pelo senso de 1940, em pleno Estado Novo, a taxa de analfabetismo no Brasil era de 56%.

Em 1920, a taxa de analfabetos era de 65%; em 1900, era 65%. Então, vejam o analfabetismo campeando no Brasil por essa situação no século XX.

No entanto, o período da República Velha foi essencial para que compreendamos, hoje, a gênese de muitas características que ainda hoje delineiam a educação brasileira. Esse retorno às origens é essencial para que superemos a encruzilhada atual.

Em primeiro lugar, a ideia de que a educação é a solução para todos os problemas do País parece ter surgido no contexto da Primeira República, a República Velha. Embora tenha o mérito de tornar a educação um tema central na agenda nacional, esse destaque termina por deslocar da economia e da formação social a origem dos problemas relevantes e pode mesmo encobrir a consideração de outros problemas estruturais que seguramente afetam o Brasil. É importante, pois, que reflitamos sobre estes pontos: a educação, a economia e também as políticas sociais.

Em segundo lugar, Sr. Presidente, a Primeira República foi o celeiro que germinou boa parte das ideias pedagógicas que ainda hoje orientam o sistema educacional brasileiro, assim como os seus muitos dilemas – entre o ensino positivista e o ensino humanista, por exemplo; entre o modelo seriado e o modelo não seriado de progressão escolar; entre a quantidade de vagas e a qualidade do ensino, o número de alunos por sala; entre a educação como instrumento de conservação ou de transformação da sociedade; entre a educação como responsabilidade dos entes federais ou como matéria da própria União.

Então, a gente pode observar que as ideias surgiram, muitas, ricas, extraordinárias ideias, pensamentos avançados em 1920, 1930.

Também é um tema frequente da Velha República a preocupação com a possibilidade de se transplantarem para o contexto brasileiro os modelos educacionais que funcionavam bem em outros países, assim como várias alternativas metodológicas disponíveis, sejam elas baseadas na memorização, na autoridade, na criação ou na liberdade.

Enfim, Sr. Presidente, olhar para a República Velha é investir na própria origem do nosso sistema educacional. Como já recomendava o mexicano Octavio Paz, vencedor do Prêmio Nobel de Literatura, em momentos de crise, como a que vivemos hoje, uma sociedade deveria se voltar para o seu próprio passado e ali procurar algum sinal.

A Primeira República é normalmente referida como República que não foi, que não cumpriu promessa de extensão de direitos e de cidadania e que se tornou, efetivamente, governo de todos para todos. Então, segundo muitos, essa República não existiu, mas a gente viu que existiu. Voltar a ela é uma oportunidade de entender por que, até hoje, mais de cem anos depois, a sua proposta permanece, pelo menos em termos educacionais, inconclusa, incompleta, inacabada.

É minha sugestão, Sr. Presidente, que nos proponhamos a reatar os fios da nossa história, não apenas para que não venhamos a repetir os mesmos erros, mas sobretudo para que possamos acertar, e acertar conscientemente os rumos da educação deste País.

Caríssimos Senadores, telespectadores, eu fico muito preocupado com essa história triste do descaso com a educação ao longo dos tempos, da nossa história. Houve um apagão. Eu estou aqui destacando pontos luminosos aqui e ali de pessoas fantásticas que já se preocuparam no passado, mas que não conseguiram ter consistência nas suas ideias. Eu acho que o Senador Girão está aqui, e aqui eu citei o nome de um cearense que fez um trabalho lá na década de 20 e parece que lá deu certo, que lá o pouco foi andando, foi andando, foi andando, e o Cid Gomes aqui, sentado, me falou: “olha, Confúcio, das 100 melhores escolas brasileiras, 80 estão no Ceará.”

Vejam uma coisa dessas: das 100 melhores escolas brasileiras, de todo o País, de todas as 27 unidades federadas, de 100 escolas mais destacadas pelo MEC, 80 estão no Estado do Ceará. Isso é um motivo de muito orgulho daquele Estado, e olhem bem a coisa: não é iniciativa do Ministério da Educação. Os destaques nacionais são ideias de Prefeitos, ideias de Governadores insurgentes, não seguindo a cartilha do MEC. E parece que a história vai e volta, e hoje nós estamos repetindo.

Na semana que vem eu farei uma série de discursos. A década de Vargas é hoje. É interessante! No próximo discurso, por isso que eu estou chamando a atenção aqui, igual novela, na melhor parte a gente termina, na época de Vargas era exatamente a mesma lenga-lenga do que estamos vendo hoje aqui, essa dificuldade do Ministro, essa falta de coerência, as manifestações, a não aceitação de tudo.

Parece que a história vai vai e volta, é um ciclo permanente de fazer e desfazer. A falta de consecução, a falta de um Presidente pegar o que o outro fez e dar continuidade. Isso dá um prejuízo para a Nação, tão grande que você não é capaz de imaginar. Um Presidente, um Governador faz, faz, faz, faz e, quando termina o mandato o outro fala: “tudo o que ele fez está errado, vamos começar da estaca zero”. E é um prejuízo para a Nação incrível, a falta de consecutividade, a falta de sequenciamento, a falta de respeito, a falta de compromisso estratégico com o País.

Assim, Sr. Presidente, eu encerro as minhas palavras por hoje, agradecendo esta atenção.

Eu deixo sempre para fazer os meus discursos sobre a educação, ou na quinta, ou na sexta, ou na segunda-feira, porque é mais tranquilo. Na terça e na quarta é dia de pauta cheia e a gente não deve ficar atrapalhando aquelas propostas constitucionais, os debates interessantes, e um discurso longo termina atrapalhando os líderes de encaminharem as proposições. Então eu deixo assim mais para o final de semana e, graças a Deus, a gente tem aqui o Izalci, o Kajuru, tem o Girão, tem os Senadores que tocam as sessões não deliberativas.

Se não fôssemos nós cinco, seis, sete que tocamos aqui, quase sempre os mesmos, a sessão não existira nos fins de semana. Então, nós estamos aqui para dar esse brilho e trazer as ideias lindas, dos discursos memoráveis, porque dá mais tempo, para que a população brasileira saiba a atuação efetiva e a vontade dos Senadores.

Gente, muito obrigado.

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