De sol a sol a solidão

De sol a sol a solidão

De sol a sol a solidão
E pão e água e álcool

De sol a sol a reclusão
Transpirar esse ar miúdo
Amansar esses dias de pó
Comer da cal de dentro

De sol a sol soletrar quem nos falta
Contar os que nos cercam
Relembrar encontros
Suspirar ausências

De sol a sol a solidão
Limpar os sótãos
Rir com quem convive
Ver com quem vive
Afastar a morte
Afastar a morte
Essa invisível morte
Lembrar da sorte que já tem
e sonhar com outra ainda maior

De sol a sol a reclusão
Recolher a banca
Reservar as sobras
Abraçar o próprio corpo
Evitar todo contato
Não ter contato
Ansiar pelo contato
Espumar pelo contato
Conspirar pelo contato
Respirar
Respirar
Respirar sozinho no quarto

De sol a sol abanar os lençóis
Ler os papéis
Ouvir os microrganismos
em seus movimentos ínfimos
Imaginar-se um vírus
minúsculo dentro do músculo
de alguém que te quer ter perto
Inventar-se vacina que programa o ataque antes que ele aconteça

De sol a sol suspender os planos
Guardá-los esterilizados dentro das máscaras
até quando a vida voltar a se

Autor: Arthur Moura

Deixe um comentário

Seu endereço de e-mail não pode ser publicado.