Foi preciso desligar o motor-bomba em Espigão do Oeste (30 mil habitantes), para que se percebesse a destruição da natureza. A Companhia de Águas e Esgotos de Rondônia (Caerd) captou água na cabeceira de uma represa sexta-feira, numa distância de quinhentos metros até o Rio Palmeiras. Em seguida, funcionários do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) a distribuíram em carros-pipa aos moradores.
Já Cacoal, ao longo de 40 anos, destruiu dezenas de nascentes e está na lista dos que sofrem com a crise hídrica de 2023.
Algumas situações já eram conhecidas, outras se agravaram este ano e angustiaram os municípios mais recentemente.
Em entrevista a Ricardo Schwantes, do Canal 35 o senador Confúcio Moura (MDB-RO) revela seu olhar de preocupação com a preservação ambiental: “Estão desmatando ao redor de rios em diversas regiões; o gado bovino bebe água suja e quente.”
A situação dramática conscientizaria as pessoas?
“É um crime de guerra”, ele protesta em relação ao desmatamento, principalmente no entorno da Serra dos Pacaás-Novos.
Há rios que assorearam, perderam o leito e formaram um cenário nunca ocorrido, nem mesmo no período intenso das atividades minerais em diversas regiões desde o extinto território federal.
Durante seus dois mandatos de governador, Confúcio firmou convênio com o Banco de Desenvolvimento Alemão (KfW), pelo qual a instituição passou a financiar o cadastro ambiental rural que mapeava todas as propriedades rurais com reservas florestais e nascentes.
O serviço foi interrompido. Atualmente, o flagelo encontra a fragilidade administrativa diante de exigências feitas desde a execução e o encerramento do Programa de Desenvolvimento Integrado para o Noroeste do Brasil (Polonoroeste), que originou 32 núcleos urbanos de apoio rural (NUARs).
Na verdade, não se trata da falta de advertência feitas por órgãos de coordenação de políticas hídricas no estado, mas pelo avanço da pastagem e do plantio extensivo de grãos em áreas anteriormente detentoras de florestas nativas.
“Hoje estamos vendo a situação dramática das intempéries da Natureza; ela castiga, sabe, ela é poderosa, e a gente vê a floresta, os rios, o clima, pensando que nada irá mudar”, lamenta.
“Eu vou desmatar, queimar e poluir, o homem decide, mas o custo disso tudo é muito alto”, alerta o senador.
O senador lembrou ter sido fazendeiro durante 40 anos, vendeu suas propriedades, mas soube preservar os 50% exigidos legalmente, no que resulta seu amplo conhecimento a respeito do atual problema.
A própria política do governo federal durante o regime militar impunha o desmatamento, que teve sua utilidade na década de 1970. O pensamento oficial era determinante: para conceder o título de um lote de terra, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) obrigava o colono a desmatar a metade. “Ou fazia isso, ou perdia”, diz o senador.
Igarapé no 5
No entanto, ele lembra que a medida era fruto de um programa daquele momento da vida amazônica: “Muitos antigos diziam: quando eu aqui cheguei à região aqui não tinha nada, mas na verdade aqui tinha tudo”, assinala.
Exemplifica: “Aqui no buracão do 5 (setor de Ariquemes) havia peixes no igarapé! Hoje não existe mais aquele cenário nós fomos destruindo ambiente, as bacias hídricas, e estamos um preço altíssimo pela redução do volume dos rios e o desabastecimento de água para as cidades.”
A preservação entra em pauta, opina Confúcio Moura, para quem o meio ambiente é política de desenvolvimento:
“Quanto custa um rio? Quanto se pagaria pelo Rio Jamari com água e peixes, se ele fosse vendido? Não tem preço, e isso indica a necessidade de mudarmos a nossa mentalidade”, alerta.
“Dá para plantar soja? Dá. Para criar boi? Dá. Mas é preciso respeitar a política ambiental e não sair aí destruindo tudo. Eu viajo muito de avião sobre o Estado de Rondônia e vejo pastagens imensas sem água. O fazendeiro, o que faz? Leva lá uma escavadeira, faz um açude, e a água bebida pelo gado é suja e quente”.
Quando o volume baixa, explica o senador, a situação piora, porque o gado sem água “fica zanzando estressado, perde peso e as vacas não irão parir normalmente causando prejuízos inevitáveis pela falta de cálculo e planejamento. ”
Confúcio lembra que antigamente, todas as fazendas tinham água, mas suas nascentes há algum tempo secaram.
“Plantando águas”
Como recuperar solucionar esse drama? – É difícil e caro, ele responde um pouco esperançoso: “Temos que recuperar essas nascentes e as bacias hidrográficas. ”
O modus operandi seria usar programas exitosos de outras regiões, a exemplo daquele utilizado em Itaipu (binacional brasileira-paraguaia) durante a fase em que ela era considerada a maior usina hidrelétrica do mundo, atualmente é menor que Três Gargantas, no Rio Amarelo, na China.
“Quando a visitei com o Acyr Gurgacz (ex-senador) havia preocupação com a vazão das quedas-d’água de Itaipu; eles fizeram um pacto com 16 municípios e criaram um programa chamado Cultivando Água Boa, verdadeiro plantio de águas*. A Itaipu passou a pagar prefeituras e pequenos produtores para recuperar pequenas nascentes” – relata.
“Uma nascente que seca diminui a vazão do rio, então, passaram a pagar por esse benefício a 29 municípios e seus pequenos produtores receberam em dinheiro pela recuperação da mata, ganhando por serviços ambientais” – assinala.
Segundo avalia o senador, esse programa poderia funcionar em Rondônia, contemplando regiões com rios e igarapés ameaçados, a exemplo dos rios Jamari e Jaru.
“Desmatando o grande aquífero de Rondônia”
“Quase todos os rios, 90%, nascem no mesmo lugar, no estado: o Jamari, o Candeias, o Santa Cruz, todos eles vêm da Serra dos Pacaás-Novos”, lembra Confúcio.
“Lá perto de Campo Novo de Rondônia, no alto, a mil metros de altitude, nascem o Rio Urupá, que desce até o Rio Machado; o Rio Cautário em Costa Marques (na fronteira brasileira com a Bolívia); o Rio Pacaás, que vai até Guajará-Mirim. Estive lá e me deparei com o desmatamento do grande aquífero de Rondônia!” – lamenta.
Em comunidades ribeirinhas dos rios Guaporé, Mamoré e Madeira também faltou água potável este ano.
“Rios imensos com águas barrentas, o indígena e o ribeirinho estão sem água lá no alto, então, estamos colocando estações de produção de água com poço artesiano e construindo caixas-d’água para atender essas comunidades: temos cinco, vamos chegar a 15, mas precisamos mesmo de quinhentas” – constata e questiona.
Acrescenta Confúcio: “Destruir o formador de mananciais, secar os rios que conduzem água às hidrelétricas é crime bárbaro, de guerra; o pior é que quando há fiscalização e multa aos infratores, eles ficam com raiva e alegam que o Ibama está apelando.”
“É possível conciliar a atividade agrícola com a sustentabilidade da propriedade, e todos ganham com isso” – acrescenta.
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* Em 2003, a Itaipu criou o programa Cultivando Água Boa (CAB), um conjunto de iniciativas socioambientais baseadas em documentos nacionais e planetários e relacionadas com a segurança hídrica da região, com a conservação dos recursos naturais e da biodiversidade, e com a promoção da qualidade de vida nas comunidades na área de influência da usina.
Premiado com o Water for Life da ONU-Água como melhor prática de gestão dos recursos hídricos (categoria 1) em 2015, o CAB se caracterizava como um movimento de participação comunitária, em que a Itaipu, além de mitigar e corrigir passivos ambientais, trabalhava com a sociedade para mudar os seus valores.
Através de um amplo processo de sensibilização, mobilização e informação, procurava-se promover mudanças nos modos de organização, produção e consumo, e cuidados com a água, viabilizando assim um futuro mais sustentável para as comunidades.
O programa atuava a partir do conceito de bacia hidrográfica. Decorrente deste conceito, o planejamento e execução das ações socioambientais era realizado por microbacias hidrográficas. De 2003 a 2017, o programa atuou em mais de duzentas microbacias, nos 29 municípios da Bacia Hidrográfica do Paraná.
Hoje, apesar de o programa CAB não estar mais em execução, sua metodologia e conceitos são aplicados nas várias das ações socioambientais da Itaipu, refletindo um amadurecimento no processo de gestão e implementação das ações no território, atualmente composto por 55 municípios (54 no Oeste do Paraná e um no Mato Grosso do Sul). [Informações da Itaipu Binacional].
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