Os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), hoje exclusivamente utilizados para financiar a educação pública, devem ser também direcionados para escolas particulares? A questão foi debatida nesta segunda-feira (20) em audiência pública interativa da comissão mista que acompanha as ações do governo no enfrentamento à covid-19 destinada a discutir os rumos da educação brasileira.
Novas formas de aplicação dos recursos do Fundeb, como em convênios com instituições particulares de ensino, e um pacto entre governos federal, estaduais e municipais foram alternativas apontadas no debate, que avaliou as dificuldades do setor educacional em meio à pandemia.
Além da discussão em torno de um novo Fundeb para substituir o atual, que, pela Constituição, se extingue no dia 31 de dezembro deste ano, os debatedores também alertaram que a pandemia pode aprofundar problemas que o setor enfrenta, como o mau desempenho dos alunos brasileiros no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), a falta de vagas em creches e a baixa remuneração de professores.
Bolsas e vouchers
O presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, Ademar Batista Pereira, afirmou que a discussão sobre o Fundeb é uma oportunidade para rever o modelo de financiamento da educação. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC)15/2015, relatada pela deputada Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), é o principal texto em discussão com objetivo de prorrogar o Fundeb ou torná-lo permanente.
— O Fundeb está aí para ser discutido. Vamos fazer mais uma vez um Fundeb para financiar a escola estatal nesse modelo que está aí, que não funcionou por 30 anos? Nós vamos continuar insistindo nesse modelo? — sugeriu.
Ele também defendeu que bolsas e de vouchers possam ser financiados pelo Fundeb e se disse preocupado com a educação infantil, área considerada mais vulnerável durante a pandemia.
— É importante o Senado trazer essa discussão. A gente poderia fazer um trabalho junto ao governo porque precisaria haver dinheiro, um voucher, por exemplo, nos municípios, para atender [crianças] de zero a três anos, para que as escolas pequenas não quebrem, para que ano que vem haja escola para pôr as crianças. A outra alternativa será não haver escola, porque, com a escola quebrando, não haverá onde pôr as crianças de zero a três anos para a sociedade funcionar — argumentou.
Situação grave
A secretária de Educação Básica do Ministério de Educação (MEC), Ilona Becskeházy, não descartou a possibilidade de parcerias público-privadas no setor, mas afirmou que seriam necessários “parâmetros muito claros de atendimento, vinculação de recursos e garantia de prestação de serviços”.
— Não tanto ao mar nem tanto à terra. Os dois setores apresentam riscos. O público sempre tem o risco de gastar mais e incorrer em gastos perenes que não necessariamente se traduzem em aprendizagem e eficácia escolar. O privado sempre pode em algum momento perder o interesse e deixar a população sem atendimento. É importante que os interesses públicos e privados sejam alinhados, com parâmetros muito claros de atendimento, de vinculação de recursos e garantia da prestação de serviços — argumentou.
A secretária de Educação Básica apresentou o quadro da educação pré-pandemia. Ela destacou que o Pisa de 2018, avaliação internacional que mede o nível educacional de jovens de 15 anos por meio de provas de leitura, matemática e ciências, mostrou a limitada capacidade do atual modelo brasileiro de educação.
— No nível mais alto, nós temos a capacidade, na melhor das hipóteses, de formar 27,2 mil alunos, digamos, “de elite”, enquanto que os Estados Unidos têm uma capacidade dez vezes maior do que essa, que são 333 mil alunos para um corte não digo similar, mas próximo; e a China, 471 mil alunos, quando usamos a mostra dessas quatro metrópoles que fizeram parte do Pisa. É mais do que dez vezes o que conseguimos fazer — destacou.
Ilona Becskeházy defendeu uma mudança de estratégia, com definição de objetivos de aprendizagem claros, especificados de forma clara e ambiciosa; parceria entre professores e pais na formação educacional dos estudantes; melhora da formação dos docentes e colaboração entre municípios, estados e governo federal.
— Então, a nossa situação é de extrema gravidade educacional. Já o era antes da pandemia e vai ficar muito pior depois dela. Se o Brasil não se unir em torno de alguns acordos… É isso que, no meu discurso desde que cheguei aqui, eu tenho aflitivamente tentado transmitir: uma palavra de união, uma palavra de colaboração entre os entes federados para que possamos fazer estrategicamente uma abordagem para a qualidade de educação brasileira — defendeu.
Parceria público-privada
Também do Ministério da Educação, o secretário de Educação Profissional e Tecnológica, Ariosto Antunes Culau, considera oportuna a possibilidade de que estados e municípios direcionem parte dos recursos do Fundeb para instituições de ensino privadas.
— Fizemos uma proposta à deputada Dorinha, foi apresentada pelo MEC, de forma que a gente permitisse aos sistemas públicos estaduais a parceria, o financiamento de recursos Fundeb por meio de instituições privadas, com ou sem fins lucrativos, para oferta de educação profissional e técnica, de forma articulada com o ensino médio. Isso não foi incorporado ao relatório da deputada, mas foi proposto pelo MEC, foi proposto pela nossa secretaria, de forma que a gente possa incentivar e ampliar a capacidade. Então, entendo que não existe realmente uma linha divisória entre educação pública e privada, mas sim entre educação insatisfatória e educação de qualidade — defendeu.
O relator na comissão, deputado Francisco Jr. (PSD-GO), lembrou um caso sobre parceria entre uma prefeitura de Goiás e o setor privado para garantir educação para as crianças que foi proibida pelo Ministério Público e questionou:
— O que nós queremos é financiar pontualmente mais do mesmo, do que temos, ou queremos um projeto de financiamento da educação? — questionou.
Aposta no ensino público
A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) disse que o Fundeb tem problemas que podem ser corrigidos. Ela avaliou que a educação brasileira ainda é subfinanciada e não cabe direcionar recursos do fundo para o setor privado.
— Não quero dizer que a gestão não é importante, mas é subfinanciada a educação pública. Nada contra o ensino privado, mas temos que ter um olhar diferenciado para a educação publica de qualidade. Não é desistir — apontou.
Para o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), o texto em discussão no Congresso “não é mais do mesmo”.
— A minha ponderação é que o texto da Professora Dorinha não faz mais do mesmo, porque lá são estabelecidos novos critérios para distribuição desses recursos, como faz o meu estado do Ceará. Lá, para o município receber dinheiro do Fundeb, ele tem que ter resultados, inclusive na lei de distribuição do ICMS [Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, tributo estadual repartido com municípios] — avaliou.
Trocas de ministros
O presidente da comissão, senador Confúcio Moura (MDB-RO) avaliou que o governo federal deve liderar por um pacto pela educação e criticou as sucessivas mudanças na gestão do MEC.
— Os programas não têm tido a devida consecução, dado seguimentos nas proposições iniciadas. Elas são interrompidas, até mesmo a execução orçamentária. Eu atribuo isso às mudanças frequentes dos ministros de Educação e as mudanças também dos secretários nacionais respectivos, que vão mudando: um começa e outro não acompanha a velocidade do outro, porque ninguém sabe o tempo que vai permanecer no cargo. Essa descontinuidade é muito ruim — disse.
Fonte: Agência Senado
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