Minha avó Joaquininha sempre cuidou de sua própria vida com independência. Nunca gostou de ocupar ninguém, nada pedia emprestado e nem gostava de emprestar suas coisas.
Tinha seu gado esparramado nos “gerais”, criado à larga, sem cerca de arame e nem muitos cuidados. Algumas éguas soltas nos ermos. E cuidava de seu armazém de secos e molhados, que tinha de um tudo (expressão da época). Arame farpado, banana madura, rapadura, pé-de-moleque, pólvora, cachaça, bolos que ela fazia. Um sortimento de modo a atender gente pobre que vinha do sertão.
Astolfo morava num sítio, não me lembro mais para que lado, distante três ou quatro léguas da cidade. Ele era da família, o sobrenome devia ser o mesmo de todo mundo. Uns remediados e outros pobres coitados.
Assim, Astolfo vinha a cada semana, quando muito tardava, quinze dias, trazendo coisas para vender ou trocar e levar querosene, sal, açúcar e alguns temperos. Tinha uma fraqueza, que prometia e prometia e não conseguia cumprir, quanto menos esperava, escorregava na gamela e bebia uns goles de pinga.
Não podia beber, que se mudava por inteiro, para um falastrão descontrolado, gritava defeitos de todos que passavam por perto. Sabia de segredos e revelava na hora. Mijava nos postes, de vez em quando, entrava numa arruaça, quando passado muito dos limites, terminava dormindo na cadeia.
E todo mundo ia se movimentando por ali, a praça era enorme, cavalos amarrados debaixo dos pés de mungubeira, figueira, chegavam a cochilar, mesmo arreados, ficavam ali esperando pelos donos vadiarem nos converseiros ou nas cachaçadas.
E minha avó Joaquininha ia tocando a vida, fazendo escambo, ia para as festas das Missões e Sucupira fazer negócios, os outros iam pagar promessas em romaria. Vendia fiado e anotava tudo na caderneta. Não conhecia a palavra inflação. E quando menos imaginou, ficou pobre como a maioria. A inflação é um bicho ganancioso.