Reflexões sobre o livro Reforma ou Caos, de Hélio Jaguaribe, a importância do Sistema S para capacitar a população, a necessidade de reformas estruturantes para o desenvolvimento do País, e análise sobre o livro O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty

Reflexões sobre o livro Reforma ou Caos, de Hélio Jaguaribe, a importância do Sistema S para capacitar a população, a necessidade de reformas estruturantes para o desenvolvimento do País, e análise sobre o livro O Capital no Século XXI, de Thomas Piketty

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
40ª Sessão Não Deliberativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
01/04/2019

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores presentes, aqueles que estão nos gabinetes, povo brasileiro, eu já disse aqui, anteriormente, em outros discursos, que não poderia perder a esperança em nosso País. Eu não posso perder a esperança, porque não justifica um Senador, com apenas cem dias, hoje, de início de mandato, ficar desanimado com um futuro melhor para o nosso País.

Mas, Sr. Presidente, a gente vai ficando velho, vai olhando para trás, vai lendo livros, jornais de 20, 30 anos atrás, depara com livros antigos que comprei nos anos 80, nos anos 90, e fico relendo alguns trechos. Eu encontrei um livro de Helio Jaguaribe, chamado Brasil: Reforma ou Caos, de 1989. Ali, Jaguaribe apresenta uma série de sugestões importantíssimas para que o Brasil avançasse de 1989 para cá – depois de o livro publicado –, avançasse para dias melhores, para melhores indicadores, para distribuição de renda, para melhoria da educação. Ele citou muito o combate a privilégios, as reformas estruturantes. Tudo isso está lá no livro de Jaguaribe. O tempo foi passando, e nós entramos agora numa época muito especial.

Vocês viram agora, em São Paulo – saiu na televisão ontem –, uma multidão de gente – eu não sei quantos: 20 mil, 30 mil cidadãos… – numa praça para disputar alguns empregos: gente demais para pouco emprego, e o salário máximo era R$1,5 mil. E era muita gente! Você vê que eram pessoas que já tiveram empregos bons, pessoas que estão desempregadas, mas que tiveram trabalhos bons, procurando emprego de R$1 mil, R$1,2 mil, R$1,3 mil, R$1,5 mil, em filas quilométricas. E ele já falava isso no seu livro lá dos anos 80.

Agora estamos vendo que nós entramos numa época digital, da quarta revolução industrial, que é o mundo digital, o mundo das plataformas, o mundo do banco. Você faz um pagamento, recebe… Aqui mesmo do Plenário, no corredor, você transfere, você paga, você faz isso, faz aquilo, faz muita coisa num celular, num computador de mão, faz coisas extraordinárias. E aquela fila de gente… O comentarista falou ontem, na televisão, que a maioria não conseguiu vaga, porque não tinha qualificação: “a maioria, esse povão todo aí não está qualificado para exercer cargo nenhum”. Então, a gente vê falando isso aí agora.

Por exemplo, o Sistema S, Senador Izalci, tem mais de 50 anos. Ruim ou bom, esse Sistema S, ao longo do tempo, acumulou muita experiência para capacitar pessoas. E nós temos uma ameaça aí de cortar, extinguir, diminuir orçamento, isso e aquilo, de um sistema, do único sistema consistente, preparado, que tem uma história, uma genética de formação de mão de obra, de mecânicos, de eletromecânicos, de lanterneiros, de panificadores e também no mundo digital.

O Sistema S… Como é que a gente vai diminuir os investimentos no Sebrae? Eu quero saber como nós vamos reduzir o orçamento do Sebrae, que tem uma capilaridade… Lá na minha cidade, em Rondônia, lá em Ariquemes, há um Sebrae, que dá cursos, prepara o pessoal, aninha o pessoal, abre empresinhas, pequenas empresas, ajuda os microempreendedores individuais, empresas de pequeno porte, orienta, dá treinamento, faz projetos de trabalho, de empresa, planos de negócios… E agora nós vamos acabar com ele assim, de repente, sem mais nem menos, sem ter outra coisa boa para colocar no lugar de imediato. Tudo precisa de uma transição, precisa de um período para a gente poder atravessar isso tudo. O Senac, do comércio, o Sesi, da indústria, e assim vai.

Há um livro chamado O Capital no Século XXI, publicado em 2014, de um francês, um economista, chamado Thomas Piketty. Entre tudo que ele fala… É um livro muito grosso, que deve ter umas mil páginas. Você pode ler esse livro do começo, abri-lo no meio, no fim ou em qualquer lugar, que sempre há um assunto novo. Não precisa ter sequência, você abre e lê, para qualquer pesquisa. Ele fala o seguinte: sempre houve uma brutal concentração de renda. Sempre houve uma minoria que detém o capital, a riqueza nas mãos. Normalmente, há várias outras fontes de negócios que realmente concentram muito, entre elas o mercado financeiro, um dos maiores que há nessa área, e outros setores industriais, conglomerados, também extremamente milionários, concentradores. Ele fala que a única maneira… E cita… Eu li nos jornais, há alguns dias, que 40% da riqueza do mundo está nas mãos de 56 famílias. Quarenta por cento da riqueza mundial está nas mãos de 56 famílias. Cinquenta e seis famílias compram o resto do mundo. Então, ele falou que a única maneira que viu, nos estudos que ele fez, nos países que têm dados estatísticos de economia confiáveis, o único período em que houve uma melhor distribuição de renda foi depois das grandes guerras. Será que nós teremos que ter uma nova guerra agora, a terceira guerra mundial, para poder quebrar esse circuito da concentração, da desigualdade? Será que vão achar bonito o que houve em Moçambique recentemente, esse ciclone, esse vento, essa ventania com chuva, esse rodamoinho monstruoso que arrancou casa e jogou gente para cima, matou, aquela pobreza toda, e o mundo indiferente à concentração do capital? Então, com isso, Thomas Piketty diz que só a guerra consegue desquebrar o circuito da concentração da riqueza. Eu não sei se ele está certo; eu não sei se está errado. Mas ele publicou e é um respeitado economista mundial. Foi muito lido o livro dele, foi um dos mais vendidos no mundo.

Muito bem. Eu vou avançando, Sr. Presidente, em minhas curiosidades. E eu entrei em Darcy Ribeiro. Fui lá na Universidade de Brasília fazer uma visita à reitora, e ela me deu uma coleçãozinha de bolso, dez livrinhos do Darcy, chamada Darcy no Bolso. Eu todo dia abro um livro daqueles e leio alguns artigos dele. O Darcy morreu em 1997. Conheci o Darcy já com câncer aqui no Senado, ainda resistente, fazendo discurso, dando palestra na UnB. Eu fui a várias palestras dele. Lotavam os auditórios para ouvi-lo, que ele era muito engraçado, fazia todo o mundo rir.

Darcy Ribeiro diz o seguinte: “O Brasil jamais existiu para si mesmo, no sentido de produzir o que atenda os requisitos de sobrevivência e prosperidade de seu povo. Existimos é para servir reclamos alheios. Por isso mesmo, o Brasil sempre foi, ainda é, um moinho […] [de] gentes”. Nós somos destruidores de gente. Nós destruímos o nosso povo. Darcy falando: “Construímo-nos queimando milhões de índios [ao longo da história]. Depois, queimamos milhões de negros. Atualmente, estamos queimando, desgastando os mestiços brasileiros, na produção […] [de mão de obra] do que eles se consomem, mas do que dá lucro às grandes empresas”.

E Darcy continua:

[Nós e] Só nós brasileiros, podemos definir esse projeto de Brasil que queremos ser. [Só nós, não há ninguém no mundo que vai nos ajudar a sair do buraco. Só nós.] Não será, obviamente, o Brasil desejado pela minoria próspera […] [contente, saciada. Esses não estão nem aí para aquela multidão de desempregados. Nem aí.] Mas o Brasil dos explorados e oprimidos que o modelo econômico vigente já levou a níveis incomprimíveis de miséria e […] [desemprego].

Ele falou isso na década de 90. Olha bem: década de 90, gente, o Darcy disse essas coisas. Muito bem. E eu vou observando e ele fala o seguinte: que a grande crise brasileira é a política; o grande problema brasileiro é a classe política, do Vereador ao Presidente, ao Senado, à Câmara Federal e estaduais, porque nós temos medo de tomar decisão. Nós adiamos. Não aguentamos pressão. Não aguentamos pressão de ninguém.

Abre um projeto de lei em qualquer comissão, se um grupo interessado, rico vem aqui, faz uma manobra e pede vista, adia a votação, esfria, bota na gaveta, não sai. Vocês viram, nós todos vimos, infelizmente, há pouco tempo, a venda de medidas provisórias. Vender lei! Veja bem uma coisa dessas, Senador Lasier Martins, do Rio Grande do Sul, vender medida provisória! É como um negócio, é pegar dinheiro. Está aqui, você me dá isso e vou aprovar sua medida provisória para lhe atender. Isso é o cúmulo do absurdo! Isso é o cúmulo do absurdo! Muito bem. E assim nós vamos deixando.

Aí hoje a gente reclama: mas o Supremo quer legislar, o Supremo entra em competência que é do Senado ou da Câmara Federal, o Supremo se mete em tudo! Mas como é que ele não vai se meter em tudo? Se nós aqui não tomamos decisão, ele toma a decisão. Nós não fazemos a reforma política necessária, nós não fizemos a reforma tributária necessária, nós não simplificamos a vida das empresas. Nós não fazemos o nosso dever de casa, temos medo. Nós ficamos sempre escorraçados, com medo de pressões, com medo da rua, com medo da vaia, com medo disso e daquilo outro, com medo dessas coisas todas. Aí o Supremo tem que decidir. E a gente fica aqui. O Congresso vazio e ficamos aqui olhando um para o outro e deixando a situação se agravar.

Quero ver, mas não vou ter vida – já tenho 70 anos – para esperar, como será o Brasil daqui a 40 anos. Porque estou olhando o Brasil de 30, 40 anos atrás, escrito por esses escritores que estou acabando de ler para vocês. Eles já falavam isso: que é atual, é contemporâneo, é o agora. Mas não, agora é para quem viver, é para esses meninos que estão nascendo agora, para esses meninos de 5 anos, de 10 anos. Vamos ver como eles irão ver o Brasil daqui a 40 anos, sem educação, gente, sem escola boa. Qual é a geração que nós queremos entregar, daqui a 30 anos, para governar este País, para ser empresário, para ser trabalhador qualificado, para não ser engolido pela máquina, pela plataforma, por tudo isso, pelo Google, por todos esses instrumentos de robótica que existem no mundo afora? Que Brasil nós vamos deixar para o futuro, se o Congresso não tiver coragem? Se a gente não peitar a situação, se a gente não tomar vaia, se a gente não tiver…

Eu tive, lá na minha casa simples de Ariquemes, na porta do muro de casa, quando eu enfrentava situações difíceis no Governo, lá na Prefeitura, meu nome como traidor da Pátria, como isso e aquilo outro; na porta da minha sogra também, que ainda era viva, ela ficava apavorada com aquele mundo de gente na porta – fechavam a rua – contra mim. Mas eu encarei, encarei, sofri. A gente sofre, tem vergonha. Não é bom tomar vaia, não é bom escreverem desaforos na porta da sua casa, ter uma maloca de gente cantando o dia inteirinho, na sua porta, para você ceder e deixar que os privilégios continuem, uma concentração maldosa, diabólica, de renda, de privilégios, de coisas. Quando você encara, você sofre.

Então chegou a hora, gente: ou tudo ou nada – ou tudo ou nada. Ou você é Senador de verdade, ou você é Deputado de verdade, ou você é um saco de batatas. Na realidade, para nós contribuirmos para o futuro, temos que fazer, realmente, um enfrentamento de circunstâncias existentes no modelo, para eu aqui não voltar mais a esse discurso, ficar lembrando Darcy, Celso Furtado, todos esses grandes escritores e economistas do passado. O que eles disseram há 40, 50, 30, 25 anos atrás, está ainda contemporâneo, em cima ordem do dia de hoje.

Assim sendo, Sr. Presidente, eu encerro as minhas palavras agradecendo a V. Exa. e a todos que me ouviram neste momento. Mas a realidade nua e crua é essa.

Muito obrigado.

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