No dia seguinte ao nascimento da minha filha Bárbara, Adhemar de Paula, meu sogro, extremoso em cuidados, saiu à cidade em busca de um relógio de parede, bem grande, que ficasse pendurado na sala e, a cada hora, badalasse bem forte.
Isso tudo para que a nova mãe, Maria Alice, não esquecesse a hora certa de amamentar. Na casa pequena, as pancadas do relógio zuniam fortes, como sino da igreja matriz, e ecoavam pelos quatro cantos.
O tempo foi passando. Veio a segunda filha. E o bendito relógio nos acompanhando, sempre com a mesma serventia. Serve-nos por todas as casas. Até hoje ornamenta as nossas salas.
O que mais me encantou, em tudo, foi a extraordinária sintonia entre os acordes, o leite e o choro. Sem se atinar, Adhemar de Paula criou um instituto de pesquisa científica em casa, que só faltou de verdade, as dosagens bioquímicas e a catalogação dos dados.
O relógio foi se acostumando com a engenhosidade, a utilidade e o movimento da casa. Ele introduziu velocidades diferentes na sala, cozinha e quartos. Foi se tornando um ente vivo, que movia os reflexos das pessoas, com inacreditável perfeição.
Pelo tempo e a modernização dos relógios, hoje, digitais e celulares, o velho relógio, de vez em quando, enferruja alguma engrenagem ou se cansa, fatiga pelo extenuante trabalho de pura devoção. Palpita fraco e para. Logo, Alice se apressa em levar ao único e exclusivo relojoeiro da cidade de Ariquemes (RO), que nos atende mais pela amizade, do que mesmo pelo seu ofício e a remuneração do seu serviço.
Houve, nesse tempo passado, revoluções. A cidade de Ariquemes saiu do nada, de vilarejo a uma cidade grande, planejada e extremamente vaidosa. A revolução digital, os usos e desusos rápidos. Há lixos eletrônicos acumulados. O relógio se desentende com o tempo contemporâneo. E tudo conspirou contra ele.
Eu, particularmente, acho ótimo quando ele para. Nunca me atrevi a dar corda para ele se reativar. Porque Alice tem intimidade e ciúmes, não delega a ninguém o prazer de retorcer a chave, esticar algum apetrecho interno, para guardar energia, para o rompimento dos próximos segundos, minutos, horas e dias. Só ela mesma coloca cadeira ou escada, escala degraus e vai lá e bate a manivela e o bendito relógio retoma a sua toada de sempre.
O relógio virou um ente familiar, como um ser vivo que nos olha, nos entende e nos adverte. Creio que chegou nele a velhice, o que é plenamente compreendido, ficando mais tempo com as atividades paralisadas, porque entendeu, ele mesmo, que não aguenta a competição com as novas máquinas de medir o tempo. O silêncio o incomoda muito.
Agora, chegou a hora de mais uma mudança de casa. Já estamos velhos. E chegou o momento da despedida. As nossas filhas são adultas, ninguém quer o relógio de presente. Tenho um lugar aqui perto da cidade, onde sepultei todos os cachorros de estimação, e percebo que levarei o velho relógio para companhia de todos eles.
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