O MÉDICO DO IMPOSSÍVEL

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O MÉDICO DO IMPOSSÍVEL

Ariquemes era uma vila pequena. Cerca de 1500 habitantes, casebres de madeira, lado a lado da estrada de chão, que se chamava BR 364, cobertos de palhas, outras de telhas eternit.

Médico nunca teve. Só o enfermeiro Francisco Carlos e três farmácias que faziam tudo,  partos, suturas, “encanavam” fraturas de pernas e braços. Faziam soros e internavam doentes em redes. Cheguei em dezembro de 1975, fiquei olhando o cenário. Será que vai crescer e virar cidade?  Será que virão os colonos atraídos por terra que o INCRA havia  prometido?

Fiquei ali esperando, com um olho na dúvida e o outro da esperança. Em janeiro de 1976 resolvi meter a cara no trabalho. Ônibus chegavam carregados de gente sofrida. Caminhões paus-de-arara que brigavam com a estrada de atoleiros. Gente destemida  encarando o mais estranho ainda – a Amazônia. Uma coragem tirada não sei de onde. Porque  atrás de riqueza o homem subestima a própria vida. Peguei um barracão abandonado, que servia de depósito de minério, fui pregando tábua, matajunta e telha quebrada. Coloquei vasos sanitários. Furei uma cisterna. Puxei um ¨rabicho” de um vizinho. Mandei fazer camas de madeira. Um filtro de barro. Uma mesa de parto que poderia se ajustar também a cirurgia. Forrei o teto e mandei construir na marcenaria do Tarciso o consultório, mesa, bancos e cadeira de madeira bruta. Tudo feito na mão, no serrote mesmo.

Na mudança trazia alguns equipamentos básicos. Estes que se precisam para começar fazer o básico.  Enchi de algodão os buracos nas tábuas.  Coloquei bancos para o pessoal sentar à porta da rua. Meu primeiro trabalho foi fazer ATESTADO MÉDICO para os colonos pegarem os lotes. Documento exigido pela burocracia. Ninguém confiava em mim. Era novo. O enfermeiro e os farmacêuticos práticos gozavam de grande prestígio. Fui ficando e esperando. E o tempo passou. A malária pegou o colono do sul sem dó. Derrubou todo mundo. Foi uma guerra civil não registrada. Teve família que se acabou inteira no mato. A malária era grave, a maligna mesmo. Quinino reinou absoluto. E as complicações neurológicas frequentes e as renais também. Atendi pelo Governo do Estado, como médico federal, por pouco tempo. Fui médico do Garimpo de Massangana.  Caia sobre mim os casos impossíveis pela gravidade. Era o médico dos acampamentos de refugiados. O médico do impossível.

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