Boca, bendita boca, maldita boca, que serve pra tanta coisa boa. O beijo, por exemplo, as palavras de amor, o convencimento, o canto. A boca tem mil importâncias. Mas, tem hora que ela vira a casaca, e faz muita besteira. Uma delas é a gula. Comer demais. Mastigar de menos. Comer ligeiro. Bocados atiçados nela e engolidos sem mastigar. Pobre boca, língua, dente, e mais atrás, tem as travessias, como numa rua, as rotatórias, a comida tem um rumo, a respiração tem outra via. Uma não pode cruzar errada. Dá problema.
Tem gente que tem goela de lobo. Engole um bife sem mastigar. Um pedaço de pão. Um naco de peixe com ou sem espinha. Tem cara que tem molejo na língua e separa a carne do peixe da espinha. E vai movimentando muito bem. Tenho um caso, quando estava na lida de médico, de uma cidadão, que fazia tudo isto muito bem. Limpava o prato em minutos. Creio que esta pressa, vem da pré-história: é o medo do predador aparecer e lhe tomar a comida. O instinto fala mais forte. E por isto, ele que tem esta relação pré-histórica engole tudo sem mastigar.
Ele chegou aflito e incomodado. E não queria me dizer o que tinha. Falou que era uma espinha de peixe. Isto e aquilo outro. Até que a mulher, que já estava aperreada com o sofrimento dele, falou a verdade e disse que a espinha encravou ¨lá embaixo¨. A caldeirada de tambaqui estava uma beleza, e espinha enorme, desceu no meio do pirão, sem nenhum problema. Ele nem percebeu. Depois de três dias, passou a sentir fortes dores no ¨reto¨ , já tinha tomado purgante de sal amargo , feito lavagem intestinal com irrigador, tinha cólicas e sangrava. Até toque retal ele já tinha feito pra tirar a espinha. Só piorava.
Não tive alternativa. Senti a espinha no toque. Estava encravada mesmo. Tive que fazer uma anestesia¨na espinha¨, chamada raque, tudo dorme da cintura pra baixo, para retirar o corpo estranho que tanto incomodou meu paciente. Deixei o danado dois dias internado, ampla cobertura com antibióticos, temendo infecção e febre, porque é perigoso, perfurar intestino e vir depois um quadro grave de peritonite, que pode ser grave. A vida de um médico de pronto socorro e de interior, se bem guardado os casos que chegam, dá para escrever um livro, devido a tanta riqueza de casos que aparecem como sendo impossíveis e raros, mas, chegam as suas mãos.
Deixe um comentário