Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que adorou, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso; e a volúpia; e a firme determinação, e o cinismo tranqüilo, e o tédio; e os insultos; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentaram te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: “moça linda …”; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és … Bendita sejas tu.
Poema de Romara Magalhães (Governador Valadares -MG)
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