Amor e ódio

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Amor e ódio

Tem cada história, que mais parece aquela de caçador de onça sem cachorro, mas acredite quem quiser, e a verdade seja dita, a amante que virou linguiça. Coisa de fazer horror, nem se pode crer, mas, crendo ou não, aconteceu.

Coisas antigas, raras, que corriam o mundo, contadas detrás de portas, no silêncio morto, quase segredo, que ninguém, de boa sorte poderia dizer, cruz credo. Quando se compara o feito, tão antigo, com os que acontecem hoje em dia, mas, parece uma brincadeira, coisa boba, vez que o momento do século XXI é frutífero em escândalos, assassinatos espetaculares, tão horripilantes, que histórias antigas, aqui ditas, são como uma beberagem sem graça.

O Coronel Antônio Panta viveu nos idos do século XX, lá pelas bandas dos 1930. Era senhor de terras, entre rios e montanhas, ali pelo sul de Minas Gerais. Tinha engenho de moer cana, fazia rapadura, cachaça artesanal, melaço e açúcar mascavo. Plantava roças imensas, criava gado, cultivava mandioca e fabricava farinha. Enchia tulhas de tudo. Vendia e dava de comer um monte de camaradas do serviço. Naquele tempo, comer era privilégio, e ter uma muda de roupa de algodão cru era uma grande vantagem. Dentista, remédio, médico, nem pensar.

O Panta  não tardou comprar o título de Coronel, pouco antes ou pouco depois, que estas condecorações ainda vinham do tempo do Império. Coronel Antônio Panta. Deus me livre de tanto poder que o homem tinha. E de tanto tê-lo não lhe foi difícil produzir uma prole de vinte e dois filhos (22). Até parece que era honroso ter um filho do Coronel.

Ermos vales de terras virgens, socadas aqui e ali por fazendas antigas, entremeio a um cerrado natural, de capim nativo, vistas ondulantes de beiradas da Serra da Canastra, aguadas fartas, ribeirões e rios. Rio Peixoto, Rio Grande, ali por perto, o riacho da Bateia, onde o mulherio lavava roupa, batendo a roupa pesada nas pedras e tábuas. Um movimento de encher os olhos para tempos tão manuais e o campo profundo era o Brasil que nós tínhamos.

E tudo se movia lento, as tropas, os carros de bois, as boiadas. E era levar gado para São Paulo e trazer sal e tecido. O eixo do carro de boi chiava um canto triste vinda do peso da carga e dos atritos dos eixos, as argolas nas pontas das varas fazia o ritmado dos sinos, entendidas pelas pareias dos bois carreiros.

Donana era sua última mulher, dita legítima, puxada da própria família. Era prima das outras primeiras que morreram de parto. Só tem que esta, vinha de muita desconfiança e não tinha sangue de lesma, para aguentar a fama do marido, desvairado no mulherio da região. Como se dizia, “no homem nada pega”. Pra ela não. E tanto ouvir conversas soltas, meias palavras, ficou encastoado em sua cabeça, o”rabicho” do coronel com a criada Helena, que ela mesma viu crescer e ajudar a criar. E aquilo tudo foi dilatando por dentro dela. E foi avermelhando cada vez mais o seu sangue. E nem vou  aqui falar das arquitetações do demônio, que ela foi se encontrando dia após dia.

E no meio da fartura de mantimentos, das arrumações de viagem, deu por sumida a moça, sem mais nem menos. Era de costume, de quando em vez, moça virgem fugir e não ser mais vista. Pois bem, ela sumiu. Mantas de carne, linguiça, almôndegas, farofa de pilão, matulagem completa para longas viagens. Ela, a menina, foi assim, como se diz, no meio da farofa para o seu último destino com o coronel Panta que seguia a toada, tocando a boiada e comendo a farofa com linguiça de temperos picantes.

 

 

 

 

 

 

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