Depois de o meu avô ter sido Prefeito de São José do Duro veio o meu pai, Zeferino Moura carregando, não sei aonde, o estranho gosto pela política, onde não havia nenhuma necessidade de tê-la. O lugar era tão pequeno e esquecido, que acredito que naquele tempo, década de 40, nem no mapa existia. Era um sertão bravio, que todo mundo era parente de todo mundo. Aquelas famílias de dez filhos a mais, que desde cedo se ouvia ritmado do pilão socando milho para o fubá ou arroz de casca para limpar.
E tudo continuava igual. Todos eram católicos apostólico e romanos e às tardes em bancos às portas das casas, todos sentavam-se para contar histórias de lobisomens, mula-sem-cabeça e falar mal da vida alheia. E assim, a cidade inteira, tinha este costume. Meu pai foi candidato a vereador e eleito com dezessete votos, que foi pouco, pelos os doze irmãos que tinham votado, além de comadres e cunhadas.
A prefeitura nada fazia porque nada tinha para fazer. Dinheiro nem por milagre dos céus e dos santos. Vereadores completamente desocupados e à deriva, mais ficavam rondando a prefeitura pelo lado de fora como os jumentos na praça. Estes pelo menos trepava uns nos outros. O Prefeito não agüentava mais tanta conversa fiada de vereadores. Até que por felicidade geral de São José do Duro, o Governo do Estado mandou para o município alguns instrumentos de fanfarra. O que não deixou de ser um orgulho da cidade, de agora sim, o Duro pode bater no peito – já tem uma fanfarra.
O Prefeito colocou os tambores e reco-recos num quarto, pegou a chave e sorteou entre os vereadores, quem cuidaria por quatro meses dos instrumentos. O Deputado João de Abreu mandou um recado que em noventa dias chegaria à cidade para uma visita, porque no ano seguinte seria ano de eleição e ele precisava mostrar a cara. Voto mesmo era pouco, de grão em grão é que se elege deputado. Tia Diana, a querida e inesquecível professora, naquela época única na cidade, de família boa e respeitada, mandou um recado para o meu pai, que era o vereador encarregado da fanfarra naquela estação: “Zeferino – mande a fanfarra para os alunos treinarem para receber o nosso deputado João de Abreu”.
Meu pai, do alto da sua sagrada ignorância, pegou o papel da Tia Diana e no verso respondeu: – “Diana se você quiser fazer festa, que faça de berimbau”. Foi uma desfeita horrorosa para a cidade inteira. Deputado era deputado e todo mundo dava graças a Deus quando ele vinha à cidade. Tia Diana falou pra todo mundo e mostrou o bilhete desaforado. Pegou muito mal.
Veio a eleição do ano seguinte, meu pai foi candidato de novo e é claro, com a boataria do bilhete e da fanfarra, ele perdeu a eleição. Só teve quatro votos. Nem os irmãos, desta vez, votaram nele. Bem feito. Depois de algum tempo, com a madureza do tempo, meu pai me disse, quando eu já me assanhava com a herança da política: “não se esqueça Confúcio disto – é preciso negociar, desde que o seu objetivo não seja comprometido”. Está vendo aí, como o tempo o ajudou a entender a arte da guerra?
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