Alice e eu, de tempo corrido, já temos 47 anos de vivência. Viemos pisoteando o destino, que foi brincando com a gente, como se fôssemos um casal de bonecos, e, se tempo tivesse de brincar com alguém, nós aqui, sempre achamos que isto tenha acontecido. Para início de conversa, fizemos as contas, não dava para fazer festa de casamento, nem casar na igreja. O tiro certeiro foi o de casar numa segunda-feira, às 10 horas da manhã, justamente, para não ir ninguém. Uma solenidade de noivos estudantes de medicina, rodadas e desprovidos, o saldinho que tivesse, era para a gasolina e pra pagar cinco dias na Pousada do Rio Quente, lá em Caldas Novas.
Comprei uma casinha do BNH no Bairro Feliz, em Goiânia, e ali iniciamos a vida, rua L-1, 145. Alice, especialmente de hábitos tradicionais, vindos da parentaiada do Sul de Minas, que por lá toda família tinha uma cristaleira. Logo nos primeiros dias ela deu falta do móvel precioso e inseparável, e comprou uma muito parecida com a da avó Mariazinha Machado, moradora no Indaiá (MG), bem ali, nas confrontações com a cidade de Passos e Delfinópolis. Estas coisas, como se sabe, não tem margem nenhuma para negociação.
E nós viemos fazendo mudanças seguidas, desde Goiânia até Ariquemes, e a cristaleira empacotada para as viagens, como se fosse um cofre de tesouros: de mantas de papelões, as louças docemente protegidas, xícaras, bules, compoteiras, pires, colherzinhas de chá, taças, uma colher de prata, garfinhos de prata, os vidros da cristaleira, espelhados, lindos. Todas os espaços estão cheios. Ela não abre mão deste móvel. Parece que corre na veia dela e da família com um galardão dos “Machado da Silveira”.
Agora, estamos noutra encruzilhada, ir e vir à Brasília no cumprimento do meu mandato, e Alice já vem falando na cristaleira. Confesso que me faço de bobo, não escuto. Fica ali num canto da parede, que a gente até esquece dela, porque não se pode nem abrir, se quebrar um pires daquele, esconjuro pelo resto da vida.
Estou aqui, ainda buscando argumentos ricos, para convencê-la de não mais levar a cristaleira para Brasília, que melhor seria, doar para o sobrinho mais velho, que mora na cidade, e que manteria a tradição da família. Entrei numa fase de quarentena de rezas e promessas, para que a peça de estimação reine por mais cinquenta anos na casa do Sobrinho Rafael júnior. Que Deus me ouça, proteja e guarde.
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