Já deve ter passado cerca de vinte anos, quando fui visitar moradores do final do Travessão 8, Theobroma, localidade às margens do Rio Jaru, chamado de Seringal Adolfo Rhol. Por ali moravam seringueiros e pescadores, que vinham por gerações seguidas, vivendo sempre do mesmo jeito. Plantio de mandioca, frutas de terreiro, galinhas, algumas vacas de leite, moitas de café. No mais era o extrativismo, a caça e a pesca. Tinham alguns burros, para puxar suas mercadorias, canoas e tralhas. O tempo passava e eles nem percebiam, filho de um casava como filha do outro vizinho, o sombreado da mata, as trilhas. Escola não havia, nem sonho de luz elétrica e nenhum outro serviço público que o cidadão brasileiro tem por direito. Eles nem sabiam de nada de direitos e nem anseios de um dia serem atendidos. Viviam ali, posso dizer, curtindo as suas felicidades possíveis, não reclamando de nada, um dia entrava no outro dia e um banho completo de natureza plena.
Erasmo Vizilato era vereador do município, este aí da foto, serviu de guia para mim e Vicente Moura, arrumou dois burros arreados, eles foram amontados e eu por opção fui a pé. Não havia ponte nenhuma, riachos cheios, ou atravessava no peito ou por cima de paus caídos. Mas, chegamos lá e já tinha gente debaixo das mangueiras. nunca vi tanto cachorro latindo, o Rio Jaru estava cheio, beirando as casas. Juntou gente, como se tivesse chegando ali, o Presidente da época, o FHC. Sentamos em tamboretes e bancos e tocos. Tota (Anestor Rodrigues de Menezes) e sua família, Chico Souza o mais velho, Manuel Paulino e sua mula arreada e amarrada no pé de biribá, Chico Abadias, Manoel Machado. Todos eles com esposas e filhos. E muitos filhos. Dali podia se ouvir e ver uma orquestra tocando, sinfonia de ventos nas copas de árvores seculares, o agudo do tucano, os guinchos de macacos e o ranger de troncos se encontrando.
A conversa era a mesma: – escola, estrada, posto de saúde e energia. Saí dali cheio de entusiasmo, pelo desafio que gente como aqueles seringueiros, esperavam de mim. E cuidei de trabalhar. E o tempo foi passando, Fui buscando todos os meios políticos possíveis para o atendimento e pouco a pouco foi acontecendo. Voltei lá por duas vezes e confesso, invadido por imensa emoção. Os ônibus buscavam as crianças para escola, estacionei no terreiro do Tota e energia elétrica nas casas, geladeiras, aparelho de TV, antenas parabólicas. Tota da janela jogou o anzol no rio, pegou alguns peixes para o almoço, a casa era no estilo palafita, o rio corria por baixo devido a cheia. Dois anos depois retornei de novo, agora, pra mim, feliz e triste, Tota, Manuel Paulino e Chico Souza já falecidos, mas, os filhos adultos, lindos, inteligentes, lendo e escrevendo, vieram me receber igualzinho da primeira viagem.
Deixe seu comentário