Observação: este poema é um livro inteiro. Vou colocar aqui trechos soltos dele. Poucos. Mas, é um maravilhoso poema de Ferreira Gullar, escrito no exílio, quando estava na Argentina, no período da ditadura militar, ano de 1975.
“turvo turvo,
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro, menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro
claro
como a água? a pluma? claro mais que claro: coisa alguma e tudo
(ou quase)
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas
azul
era o gato
azul
era o galo
azul
o cavalo
azul
…
eu não sabia tu
não sabias
fazer girar a vida
com seu montão de estrelas e oceano
entrando-nos em ti
…
bela bela
mais que bela
mas como era o nome dela?
Não era Helena e nem Vera
Nem Nara e nem Gabriela
nem Tereza e nem Maria
Seu nome, seu nome… Era
Perdeu-se na carne fria
…
mas que importa um nome
debaixo deste teto de telhas encardidas vigas à mostra entre
entre cadeiras e mesa entre uma cristaleira e um armário diante
de garfos e facas e pratos de louça que se quebraram já
um prato de louça ordinária não dura tanto
as facas se perdem os garfos
se perdem pela vida caem
pelas falhas do assoalho e vão conviver com os ratos
e baratas ou enferrujaram no quintal esquecidos entre os pés de erva cidreira
e as grossas orelhas de hortelã
quanta coisa de perde
nesta vida
como se perdeu o que eles falavam ali
mastigando
misturando feijão com farinha e nacos de carne assada
e diziam coisas tão reais como a toalha bordada
ou a tosse da tia no quarto
e o clarão do sol morrendo na platibanda em frente à nossa janela
tão reais que
se apagaram para sempre
ou não?
….
a cidade não está no homem
do mesmo modo quem em suas
quitandas, praças e ruas”.
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