O sonho era o ventilador

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O sonho era o ventilador

Cada tempo com suas ofertas de conforto. Eu me lembro muito bem quando fui aluno da Faculdade de Medicina (Universidade de Goiás) nos anos setenta. Como tudo era tão simples! No início as aulas eram dadas em salas grandes, bancos e ou cadeiras de madeira maciça,  um corredor imenso feito varanda,  vendedor de livros, a cantina do Simão, o cheiro de formol constante.  Poucos dos alunos tinham carro. Nem lambretas e nem bicicletas. O transporte era o ônibus mesmo. E ninguém chiava, nem reclamava, nem maldizia a sina. A gente nem imaginava ter carro e outras coisas. Estava tudo bom e tudo certo. Aos poucos todo mundo foi se ajeitando como podia.

Ar condicionado eu não me lembro de ver na Faculdade. Nas salas não havia, nem nas aulas de anatomia, fisiologia, medicina tropical. Janelas altas, ar abafado e era assim mesmo. Único conforto era o  caderno servindo de leque e no teto aqueles ventiladores barulhentos, que ninguém aguentava. Ou ventilador ligado e não se tinha aula porque não se ouvia nada. Certo dia,  estava de rachar a temperatura do verão. Era uma aula com o saudoso Professor Osvaldo Vilela, cardiologista de renome, um cigarro em cima do outro. E a fumaça enchendo a sala. A população fumava em qualquer lugar, até dentro de avião. Com o tempo foi mudando os hábitos.E fumar era bonito, elegante porque os artistas de cinema e TV fumavam em cena. Tanto homens como mulheres.

Eu me levantei da carteira e liguei os três ventiladores de teto da sala. Todo mundo gostou. Mesmo que não ouvíssemos o esforço do Vilela para ser ouvido, porque já estava meio rouco e tossia muito.  Daí a pouco o Vilela foi lá e desligou. Todo mundo me olhou, achando que ele fez aquilo decretado pra mim. Querendo dizer que na sala de aula quem manda é o professor. Baixei a cabeça e aula continuou. Dez minutos depois, eu levantei  braço direito, até Vilela me achar. E foi  aquele suspense geral. Seria uma pergunta sobre a aula? – Ele disse: – e aí Confúcio, qual é a pergunta? – Professor,  o senhor poderia dar uma ligadinha no ventilador de novo? A turma explodiu de risos.

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