Todo homem acha, por sí, que é perfeitamente normal. Reconhecer que é doente mental é tarefa para poucos. Li (certa vez) nas páginas amarelas da Veja que ser normal é raridade. O andarilho parou naquele ponto, talvez ali ele tenha encontrado o lugar exato de encontro com todas as suas visões. Se ele era normal ou não, francamente, não sei dizer, pode ter sido por opção de vida monástica incrivelmente diferente ou por surto esquizofrênico. Ele ali recluso ao tempo, ao vento, ao sol impiedoso e as chuvas torrenciais. Ele bem ali no acostamento da BR-364, beirando a bodega do Dario, o Rey do Peixe e a colônia de pescadores município de Itapuã do Oeste. Sem nome, sem nada, como que um encontro com a sua terra prometida. Exatamente na beira da rodovia. duzentos metros acima e abaixo era o seu roteiro, sempre olhando pra baixo, como se tivesse procurando um dinheiro perdido. Abaixava e levantava, colocava numa latinha os grãos de soja que ia encontrando. Em certo ponto, não distante, na beira da estrada, construiu o seu castelo encantado, como se fosse uma casinha de crianças, tosca e rude. Ali com alguns varas esticou uma lona e se deitava depois de idas e vindas sempre olhando para o chão encascalhado, asfaltado e bordado de capim nas suas margens, flores de leguminosas e mato. Ele ficou no seu mundo,sem olhar para os carros, sem se aborrecer com buzinas, sem se destemperar com a luz alta dos veículos na noite. Criou o seu próprio mundo e ali se consumia com suas alucinações. Os passantes como eu, sempre indagava quem poderia ser aquele homem, mas, semana após semana o cenário era o mesmo. Sempre repetindo o mesmo movimento. Não se via sinal de fogo, panela, roupa esticada para secar, nem lata d’água, nem pote. Nada. E carros e caminhões sempre apressados, passavam velozes. Mas, ninguém parava. O pessoal da proximidade deixava no seu pouso, quando em vez água e pão. Acredito que nesta vida ele ficou por mais de um ano. O cérebro seguindo o ritmo diferente de ver as coisas e interpretar o mundo, a vida e a si próprio.Ele catava no chão grãos de soja caídos das carretas e os comia crus. Ao lado e à vista, dois lagos, um que não se alterava, onde se criava peixe e do outro lado o que subia e descia, dependia das águas das chuvas, ora cheio, ora vazio, o Lago de Samuel. Esqueletos de árvores mortas, palafitas sobre águas ou noutra estação sobre a terra rachada. Aquele homem sem nome, que se acostumou com o movimento pendular, com os olhares curiosos, nada respondia, até que um dia não o vi mais ali. Uma vez, duas e três e nunca mais. Como chegou, ele desapareceu, misteriosamente.
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