Lourenço chegou tardio à Escola em Dianópolis (Tocantins), era o mais velho dos irmãos: Lourenço, Benedito, Alonso chegaram brutos demais. Nada conheciam de cidade, nem rádio, nem alto-falante, nem missa com igreja cheia, nem procissão de São José, nunca tinham confessado e nem feito primeira comunhão. Todos eram pagãos.
Foi criado na fazenda, onde tios e avós se repartiam em glebas próximas. Nunca teve moleza pra ele, roça, campear gado, fazer cerca, puxar roda de bolandeira para fazer farinha, rodar os bois no engenho na safra da rapadura, caça do tatu, a espera do veado na florada do pequi.
A luz do sol e o clarão da lua, a lamparina a querosene, o fogão de lenha, o chiqueiro do porco, curar umbigo de bezerro, tudo isto era o seu mundo. Era um jovem livre e inteirado com a natureza de brejos, cerrados e buritizais, além dos banhos de bica e aguadas claras da Bacia do Rio Manuel Alves, no entremeio de Dianópolis e Almas.
Vieram para fazer o curso de “admissão” ao ginásio, que era um vestibular terrível, para sair do primário e entrar na segunda fase do ensino fundamental de hoje. Certo dia fomos estudar na casa do Francisco Pontes, porque o Bento era muita inteligente, embora colega de turma tinha sabedoria para decifrar a matemática com imensa facilidade. E a prova de “admissão” estava chegando.
Dona Adelina trouxe logo uma gamela com biscoitos de polvilho e um bule cheio de café. Aquilo tudo não demorou dois minutos e desapareceu que nem um milagre. Nunca vi tanta fome e falta de educação como nós tomos éramos possuídos. A gente não se contentava pegar um biscoito de cada vez, era encher a mão e estufar a boca, temendo que não sobrasse nenhum depois da primeira mastigada.
Veio um tempo de conversa fiada e sobre a mesa pendia um fio, bocal e a lâmpada. E na conversa demos uma aula de exibição para o Lourenço, que pelo fio vinha uma energia muito forte, que dava choque e podia derrubar um touro ou matar uma pessoa. Lourenço não acreditava naquela conversa e foi logo dizendo que não tinha medo de choque, que ele queria ver se era verdade ou mentira. Bento torceu a lâmpada do bocal e a tirou, deu para o Lourenço segurar, achou leve, frágil que nem uma casca de ovo. Ele o desafiou, então, já que não acredita enfiasse o dedo para experimentar. Gervásio bem mais perverso puxou bem o bocal, o fio desceu em nível da mesa: – “enfia a língua aqui. Ai você vai sentir o gostinho bom.”
Lourenço foi desafiado à frente de todos, não poderia recuar, puxou o bocal e enfiou a língua, saiu fumaça, cheiro de carne assada e o coitado foi jogado no chão, ficou ali desguarnecido por um tempo, Adelina viu o fuzuê, chegou com um copo d’água, Vitória a massagear os pulsos dele. Daí a pouco ele levantou amarelo que nem açafrão, catou os livros e sumiu, acabou com as amizades, estudou sozinho para a prova e pela graça de Deus conseguiu passar de ano.
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