Façamos uma reforma tributária mais profunda, mais completa, mais impactante

Façamos uma reforma tributária mais profunda, mais completa, mais impactante

SENADOR CONFÚCIO MOURA (MDB/RO)
210ª Sessão Não Deliberativa da 1ª Sessão Legislativa Ordinária da 56ª Legislatura
Plenário do Senado Federal
01/11/2019

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO. Para discursar.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, telespectadores, ouvintes da Rádio Senado, é uma alegria muito grande, nesta sexta-feira, nós estarmos aqui – com poucos Senadores – e termos um bom tempo para falar. Isso é muito importante.

O meu discurso de hoje, Senador Izalci… Eu faço, toda segunda ou terça-feira, algo como uma sessão clínica. Como eu sou médico, no tempo de escola pegávamos o caso de um doente, os estudantes ficavam ao redor daquele paciente e o professor também, e íamos discutindo aquele caso clínico para ver as possibilidades de diagnóstico; um falava uma coisa, outro falava outra, via-se qual exame estava faltando. Então, eu discuto, no gabinete, com a nossa equipe, um caso clínico do Brasil.

Nesta terça-feira, nós discutimos essa situação que está existindo nos nossos países vizinhos e no mundo. O mundo está em rebuliço, a gente não sabe para onde ir. Os princípios básicos… A palavra “democracia” está sob ameaça. A palavra “desigualdade”, o povo na rua, o quebra-quebra, as mortes… Então, o que está acontecendo? Nós fomos analisar o seguinte: o que o Brasil deve fazer.

Nós discutimos entre nós, sem ninguém de fora, só nós mesmos batendo papo, falando uma coisa, falando outra. E daí saiu esse pronunciamento de hoje. Foi elaborado, mais ou menos, um resumo do que foi falado, foram juntadas as peças, buscados artigos de jornais. A Maristela, a Vivian e mais outros que são do meu gabinete elaboraram um discurso que eu vou ler para todos os telespectadores neste momento.

Há poucas semanas, encerramos o difícil trabalho de apreciar e aprovar a reforma da previdência. Foi uma tarefa penosa, mas que não podia mais ser adiada sob pena de prejudicar as gerações futuras brasileiras. Agora, o debate se volta para a reforma tributária, uma medida igualmente necessária para o avanço do nosso País.

Atualmente, duas matérias sobre o tema tramitam no Congresso Nacional: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 45 e a 110, ambas de 2019. A primeira está na Câmara e a segunda no Senado. Ambas as propostas se ocupam, principalmente, da simplificação no sistema de tributos, algo extremamente necessário num país cuja complexidade tributária atrapalha seu desenvolvimento e sua competitividade no mercado internacional. Contudo, nenhuma dessas propostas usa a reforma como instrumento para atacar a desigualdade do Brasil – e penso ser essencial que o façamos.

Segundo o IBGE, os 10% mais ricos da nossa população controlam 43% da renda do Brasil – vocês observam que o dinheiro está na mão de poucos, mas esses poucos têm muito dinheiro – enquanto 10% dos mais pobres ficam com apenas 0,8% dos rendimentos do País, o que é insignificante. Aí está a tremenda desigualdade.

Além disso, 1% dos mais ricos do Brasil ganha mensalmente 34 vezes mais do que os 50% mais pobres. Vocês estão vendo que uma minoria, 1% dos brasileiros, ganha 34 vezes mais do que a metade da população. De forma mais concreta, a renda média dos mais ricos é de quase R$28 mil por mês, contrastando com os R$820 recebidos mensalmente pela metade dos mais humildes da nossa população.

Faltam palavras para descrever tamanha disparidade, imensa.

Os mais ricos não levam vantagens apenas nos rendimentos que recebem, mas também no Imposto de Renda que pagam. A Constituição brasileira define o Imposto de Renda como um tributo progressivo, ou seja, quem ganha mais contribui com uma proporção maior de seus rendimentos. No entanto, em função de isenções existentes no nosso sistema tributário, os mais ricos do nosso País terminam por pagar proporcionalmente menos impostos do que os mais pobres, aprofundando o fosso da desigualdade.

Esse desequilíbrio socioeconômico tem sido reconhecido como um dos maiores problemas a serem solucionados no Planeta. Até mesmo o Fundo Monetário Internacional apontou, há dois anos, o excesso de desigualdade como uma ameaça à coesão social e ao crescimento econômico das nações. Isto é extremamente sério, a desigualdade. O aumento da desigualdade ameaça a coesão social. É o que está acontecendo.

Esse organismo multilateral, que é o Fundo Monetário, apresenta sugestões para combater a desigualdade. Elas incluem ampliar a tributação sobre os mais ricos, transferir renda para os mais pobres e melhorar os gastos com a educação e com a saúde. “O senhor defende essa ideia, Senador Confúcio?” – ela me pergunta. Claro que eu defendo. Izalci também defende e muitos outros aqui defendem. A ideia é realmente defender o fortalecimento e o investimento na educação e na saúde, e V. Exa. aborda a inovação.

Creio que devemos considerar o caminho apontado pelo fundo, começando pela reestruturação do Imposto de Renda.

Hoje o Brasil é um dos poucos países que não taxam lucros e dividendos dos sócios de empresas. Além disso, embora o art. 153 da Constituição preveja um imposto sobre grandes fortunas, ele jamais foi regulamentado. Inclusive ele é muito discutido. O imposto sobre grandes fortunas é muito questionado. Inclusive alguns países o estabeleceram e depois recuaram. A França foi um deles. Há uma fuga também de capitais. A pessoa que tem muito dinheiro, se aumenta a tributação sobre a sua fortuna, migra para outro país. Em outro país ele vai ser incentivado, e fica mais fácil. Então, é um assunto que deve ser muito bem discutido, partindo da premissa de que outros países no mundo não tenham obtido sucesso. Hoje o Brasil é um dos poucos países que não taxa lucro e dividendos.

Um estudo do Ipea indica que tributar os dividendos dos proprietários das empresas poderia gerar entre R$22 bilhões e R$39 bilhões adicionais aos cofres públicos, os quais poderiam ser utilizados na diminuição da desigualdade. “O senhor topa realmente levantar essa bandeira?” Ou os senhores topam realmente levantar essa bandeira na discussão da reforma tributária? De modo similar, poderíamos taxar os detentores de grandes fortunas, a partir de um determinado nível de renda. Isso é mais flexível.

Outra análise do Ipea propõe a taxação anual sobre o patrimônio. Isso é interessante – por exemplo, acima de R$4 milhões.

Um exemplo típico é o imposto sobre terras, sobre propriedades. Realmente, o valor de contribuição de uma fazenda, um sítio é muito pequeno em relação ao patrimônio que há ali.

Muito bem. Poderíamos melhorar a saúde e, em especial, a educação, com esses recursos extras. Hoje, há quase R$3 bilhões contingenciados no orçamento do Ministério da Educação. Essa verba, e muito mais, estaria disponível para aplicação na educação básica e nas universidades. Cinquenta ou setenta bilhões de reais extras, aplicados todos os anos no ensino, fariam imensa diferença na diminuição da desigualdade.

Quando eu falo sobre esse assunto é principalmente sobre as escolas de pobre, as escolas de periferia, as escolas distantes. Essas escolas, realmente, são escolas atormentadas pela violência, pela exclusão, pelo abandono. E, normalmente, mesmo essas escolas de periferia, de bairros distantes, são os melhores equipamentos públicos que há naquele bairro. Se a pessoa vai entrar num bairro pobre, em qualquer canto do País, ela fala assim: “Onde você mora?”. Ele fala: “Eu moro perto da escola [pode ser boa, pode ser grande], eu moro depois da escola, na terceira quadra depois da escola”. A escola é uma referência, seja boa ou ruim. A escola é importante.

Então, nós colocando, melhorando as condições das escolas dos bairros mais necessitados, levando, qualificando os professores desses bairros, criando mecanismos de diminuição da agressividade, da violência do aluno contra o professor, todo esse tipo de medo e pânico que há…

Uma pesquisa recente mostrou o seguinte: qual é o grande problema para o professor? É o salário ou o medo da violência? Para a maioria, é o medo da violência – os alunos ameaçando os professores. A indisciplina é a falta do comando. Como é que eu vou comandar uma sala complexa, difícil? Então, o professor não está sabendo como dar conta desse recado, de ter uma turma tão difícil e conseguir segurar essa turma. Aí está o nó górdio da situação.

Então, sem uma educação melhor – de que V. Exa. acaba de falar muito bem no seu discurso, Senador Izalci –, o Brasil permanecerá, Senador Acir Gurgacz, uma nação com mobilidade social muito difícil. Segundo a OCDE, no contexto atual, os 10% mais pobres podem levar até nove gerações para atingir a renda média brasileira. Olha o tempo! Nove gerações são 300 anos para a frente. Então, deixar como está não vai melhorar. São 300 anos para a frente para ver se a coisa vai naturalmente acontecendo, por indução, por choques, por pancadaria – vai andando na marra. Então, é isso que realmente significa praticamente fulminar as expectativas de uma vida melhor para essas pessoas.

Qual é o País que desejamos? Por que nos elegeram? Para manter as pessoas no andar de baixo, permanentemente, sem uma escada, um acesso, um auxílio para alcançar os pavimentos superiores? Foi para isso que fomos eleitos? Eu não posso crer nisso!

Simplificar o sistema tributário é muito importante, mas reduzir o desequilíbrio entre ricos e pobres neste País também o é. E, se a pobreza e o desemprego gritantes não forem suficientes para nos sensibilizar, apelo à razão. Uma massa de pessoas com maior renda significa mais consumidores – nós levarmos dinheiro, aumentarmos a capacidade de emprego.

Mais renda para as camadas mais necessitadas é mais consumo, é mais indústria, é mais emprego, é mais movimento. Uma massa de pessoas com maior nível educacional significa maior produtividade. Uma massa de pessoas menos atingidas pela desigualdade significa crescimento econômico e desenvolvimento nacional.

Façamos uma reforma tributária mais profunda, mais completa, mais impactante.

É necessário fazer justiça tributária, taxando quem ganha mais, fazendo justiça social, transferindo recursos, simplificando a Justiça, equalizando as oportunidades educacionais para os mais pobres. Esse é o espírito da Constituição de 1988.

Assim, Sr. Presidente, nesse debate nosso, em gabinete, discutindo, vimos o Chile com uma briga danada, uma confusão medonha, ninguém esperava isso, foi de repente, pegou todos nós num susto. Mas o Chile avançou, os seus indicadores são bons, o comércio exterior é bacana, as empresas têm um livre acesso ao mercado, são competitivas, a educação é boa. Nós estamos ainda nesta situação e com medo das confusões, das manifestações de rua no Chile? Se o Chile está bom e o povo não está gostando, então quer dizer que o Brasil, fazendo as reformas, poderá chegar, daqui 30 anos, 40 anos, ser o Chile de hoje, com muita confusão? E nós estamos aqui. A gente avança na reforma tributária, a gente avança na reforma do Estado ou a gente para aqui? Vamos parar aqui para não ter briga, para não ter confusão de rua, vamos quietar? Nós não vamos fazer reforma da previdência, não vamos combater déficit público, vamos deixar a zorra total tomar conta?

Então, o que a gente faz? A gente fica com medo de chegar a um topo alto, como o Chile chegou, e, lá na frente, quebra-quebra. E, aí, a gente para aqui e fica de braço cruzado, esperando a morte chegar?

A nossa conclusão é de que devemos fazer a reforma mesmo e aprender com o mundo. Por que a Espanha não está bem? Por que Portugal está bem? Por que a Grécia reagiu? Por que os ingleses não estão bem? Por que o Equador está brigando? Por que a Argentina mudou de Presidente tão rápido assim?

Então, nós temos de aprender, fazer essas reformas, tomar nossos cuidados, avançar para combatermos as nossas dívidas, os nossos déficits históricos, mas devemos encarar as reformas, sim, combater – vocês viram aqui que o dinheiro está na mão de poucos – privilégios desnecessários. Vamos ter de atacar tudo isso enquanto não promovemos assim uma transferência gradual de renda para os mais pobres. Se não fizermos isso, logicamente tudo será uma ameaça, inclusive o princípio sacrossanto que é a democracia.

A democracia hoje está em suspeição. Perguntam o seguinte: vale a pena haver democracia e viver na miséria e viver mal? Ou preferimos ser como o chinês, que tem uma política centralizada comunista e uma economia liberal e vai bem? O que a gente quer? Na Rússia, o Putin está lá há 20 anos – ou vinte e poucos anos –, centralizado, duro, ganhando eleição, reeleição, e a Rússia é respeitada, mas a economia é liberal, vai bem.

Então, a democracia está questionada. “Vale a pena todo mundo votar! Vamos votar, vamos votar, vamos votar, vamos votar! É democracia! Vamos falar o que a gente quer, vamos quebrar, vamos quebrar vitrine, vamos fazer bagunça na rua, porque é democracia.” Ou nós queremos um governo duro, um governo mais duro, austero, diferente, que não chega ao modelo ditatorial, mas que possa ser reeleito se for bom, com a economia liberal? Ou, então, uma democracia como é a uruguaia, a chilena, em que eles mudam, debatem e são eleitos? Agora mesmo foi eleito, no segundo turno, no Uruguai… Houve um debate entre socialismo e liberalismo. Também lá na Argentina, socialismo e liberalismo estão se revezando. E vai e vai. E o Uruguai está razoavelmente bem, e a Argentina não está bem. A Bolívia mantém há 16 anos, agora com a prorrogação do quarto mandato, Evo Morales, mas está com um crescimento de quase 4% ao ano, com um governo centralizado.

Então, aí vem o grande choque, o grande debate que nós temos que fazer. E o povo também está observando isso. Para que vale a democracia total? Esse é um assunto interessante, porque todos nós sabemos que pior com ela, como está, do que sem ela. A democracia ruim como está, que não está dando conta do recado, e o povo está insatisfeito, ainda é melhor do que qualquer forma de governo centralizado. Então, vamos administrar isso tudo. Isso está na cabeça do povo, na rua. De vez em quando ligam um estopim… Antes, antes não havia as redes sociais, antes não havia o “zap-zap”, antes não havia o Facebook. Hoje, não. Hoje, explode e mobiliza todo mundo. Daí a pouco o grupo vai e vai e todo mundo está contagiado por uma onda: “Vamos para praça tal”. E todo mundo vai sem sabe o porquê. “Vamos para a praça tal! Vamos fazer um quebra-quebra lá.” E todo mundo vai. Mas o que eles querem? Não sei, não sei. Vão para lá porque têm que ir! “Eu sou contra isso, sou contra o Senado, sou contra a Câmara, sou contra o STF. Mas vamos para lá fazer um quebra-quebra. E vamos! Pá, pá, pá!” E aí? O que vai adiantar essa manifestação? É a democracia. Mas vai resolver? O que as redes sociais, o que o “zap-zap” está querendo? Esses grupos que estão jogando, jogando, influenciando, fake news, mobilizando, estão ensinando o quê? O que eles querem? O que eu tenho que fazer de prático? Qual é a onda que a rua fala? “Vamos trocar o Senado todo!” Trocou! Há 40 Senadores novos, 85 são novos. Foi feita a vontade do povo. E agora? E agora? O que a gente tem que fazer? Agora nós temos que fazer… Está renovado. A Câmara também está renovada. Está cheio de meninos na Câmara. Há menino de 21 anos lá. Há de 23, de 27, de 30 anos. Uma meninada nova, inteligente está lá na Câmara. E vamos ver a revolução. Então, a população pediu e está aí. Agora, vamos trabalhar esse ponto.

Eu acho que a nossa discussão desta semana é o combate à desigualdade. A gente não pode arrochar o parafuso, torcer o parafuso, enfiar o parafuso e deixar a população de lado. Nós temos que fazer o ajuste e, enquanto fazemos o ajuste, vamos distribuindo um pouco. Tem que haver um dinheirinho para a distribuição de renda…

(Soa a campainha.)

O SR. CONFÚCIO MOURA (Bloco Parlamentar Unidos pelo Brasil/MDB – RO) – … e a melhoria da qualidade de vida das populações mais pobres. Não dá para ficar assim.

Então, esse é o recado que hoje eu trouxe para a reflexão aqui, os vários temas que abordei neste momento, sobre democracia, liberalismo, sobre distribuição de renda e combate à desigualdade. Os ajustes, as reformas, da minha parte, eu quero. Vou votar nessas reformas necessárias para o Brasil se encaminhar. Ao mesmo tempo eu peço, Senador Izalci, Senado Acir, que haja, simultaneamente, uma repartição. Se deixar como está, como aqui eu falo dos pesquisadores, serão dez gerações para se chegar ao padrão de classe média. Isso é um horror!

Então, é este o meu pronunciamento.

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