Brincadeira de menino no tempo do onça

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Brincadeira de menino no tempo do onça

No meu tempo de menino, no Goiás profundo e era comum,  que cada moleque tinha que se virar,  para fazer o seu próprio brinquedo. Brinquedo de loja, era pra remediados, nas raras viagens dos pais, claro,  quando podiam comprar. Nem imagina você, a riqueza, criatividade e a diversidade de brinquedos e arranjos inventados que havia.

Na baladeira (estilingue) fui craque, bolso cheio de pedras escolhidas  a dedo ou pelotas de barro cozidos, de rolinhas às preás que se cuidassem. No bodoque (badoque) nunca fui bom.

Não via a hora de acabar as aulas  e doidinho para soltar arraia (pipa), noite vinha, chegava em casa sujo de terra e suor, de meter medo, raro não levar uns puxões de orelha. Bola de gude (bilosca) tinha sedução pelo jogo, de ganhar ou perder, bolsos tilintando delas, buracos no chão e a geometria das jogadas.

A finca (ferro apontado) era jogar e um labirinto de riscos e habilidades no açoite do instrumento de 20 cm no chão duro. E pegada pela ponta e açoitada tinha que enfincar no chão. As mãos sempre sujas, calção e sem camisas, uma liberdade que não troco por videogame de última geração.

Arte mesmo era com o peão e seus rodopios, no chão, na mão e até na unha. O bilboquê (biloquê) exigia coordenação e muito treino, bola de madeira com buraco oposto, presa a um cordão e a cabo de madeira. Tinha que jogar, dando uma revirada na bola e encaixá-la no cabo. Bola de futebol mesmo não se tinha, as “peladas” eram com bolas de pano, bexigas de boi cheias de ar ou feitas com leite de mangaba.

A peteca era para os maiores, os adolescentes do ginásio. Vou dizer pra vocês que estes meninos de hoje,  não sabem o gosto de se brincar com fazendinha de gado de osso, fazer carrinhos com buriti, pular corda manhã inteira, saltar obstáculos, apostar corrida. As meninas amavam “amarelinhas ” riscavam o chão e saltitavam com um pé, ora com outro, às vezes com as duas pernas abertas iam e vinham.

A giribita (jogo com pedrinhas) jogadas pra cima, no tempo certo, a pedra voava e num lance rápido pegar outras e encaixar entre os dedos da outra mão. Emoção gostosa era o ESCONDE-ESCONDE, o foguete e queimadas, o pega-pega, gangorra, balango (balanço) corda  amarrada num galho e atada num assento de madeira, parece que no embalo iria voar.

Daí pra frente,  a criatividade não parava, de brincadeiras aos ofícios mais perversos, mas, ninguém tinha na cabeça perversidade dolosa,  mas, uma “arte” como nossos pais diziam – menino arteiro.

Brincar na enxurrada, chuva com corisco e trovões, país aflitos, depois dela,  por certo, vinha uma surra. Barquinhos de papel, bonecos de pano e de barro, subir em árvores, banhos de poços sem saber nadar (numa destas quase morri).

Fazer arapucas para pegar passarinhos, o alçapão e a gaiola para canários, curiós e papagaios. Brincar de casinha, as roupas das bonecas, telefones com latas de massa de tomate ou caixas de fósforos e por fim as espingardas carregadas pelo cano com vareta, com chumbo e buchas (sempre muito escondido).

E o mais importante, todo muito comia de tudo, bolo, arroz com feijão, cuscuz, beiju, arroz-doce, costela cozida com muita banha, canjica de milho e era todo mundo magro, do tipo couro e osso. Mas, também pudera. Era muita energia para mover tantas estas engrenagens, atividades impressionantes e fantásticas.

Agora, a meninada brinca  é no sofá ou no quarto, com a porta fechada e comendo pipoca, bebendo coca-cola, e este mundo de sanduíches lambuzados de catchup, maionese, ovos fritos e uma pataca de carne moída comprimida de modo especial, que nem sei o nome. Confesso que não invejo em nada esta modernidade tecnológica e inovadora. Prefiro o meu tempo do onça.

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