Jerônimo, o Bengala, sempre vivia às turras com o peso. Além de todos os inconvenientes, ainda tinha a doença numa das suas pernas. Família, amigos e médicos, era uma conversa só: – você precisa emagrecer. Aí ele entrava em regime. Saía cedo para o gabinete, enchia os bolsos de bolacha e castanha. Quando não era uma era a outra, mas, num curto intervalo, acabava tudo. Lá vinha, dona Maria, sua irmã, preocupada com o tempo que ele ficava de estômago vazio, estressado com o entra e sai de pedidos e trazia uma bandeja de pastéis, pães de queijo e chocolate. E ele se fazia de coitadinho e comia tudo. E o peso só subia.
Certo dia, fiz parte de uma comitiva com o Governador, não sei mais qual era o motivo, ali pelas bandas de Ouro Preto, num sítio. E ficamos sentado em bancos, debaixo de mangueiras e um sombrio de árvores frutíferas. Neste dia dona Palmira, esposa estava junto. E ficamos por ali puxando conversa, enquanto o almoço ficava pronto. O dono do sítio que era amigo dele, já sabia do seu gosto, uma galinhada no capricho. E em separado um lombinho de porco, especialmente, para o Governador. Alguns vizinhos chegando e Jerônimo sempre curioso, foi perguntando para as mulheres: – quantos filhos a senhora tem: – uma dizia oito, seis, dez, sete, tres. Ele tinha um olho de psicólogo, percebeu logo, que as mulheres com mais filhos eram mais calmas, tranquilas, serenas. E até mais gordas. Aí ele virou para a Palmira e disse: – tá vendo Palmira, mulher que pare muito, tira a “rema” do corpo e fica calminha, calminha.
Jerônimo tinha um casarão, que era coladinho no Hotel Guaporé, que não existe mais. que ficava na Avenida 7 de Setembro, num entrocamento com outra rua, em Porto Velho. Ali era uma entra e sai danado. O MDB antigo, sempre na oposição, sem cargos para dar a ninguém, vivia de esperança que algum dia o Bengala chegasse à Prefeitura ou Governo do Estado. Aí sim, seria a “nossa” vez de estar no Governo também. E era aquele entra e sai. Sem luxo nenhum, cadeiras antigas e simples, mesas esparramadas, bancos e gente fuxicando e falando mal do Governo do Território. A gente tinha uma língua afiada que nem navalha. Água do filtro, lanche nenhum, era tudo na base da penitência e da esperança. E Jerônimo sempre circulando, falando alto e tinha um ou dois dedicados simpatizantes que passavam o dia inteiro por ali. A gente até pensava que eles fossem funcionários pagos do MDB. Nada. Era só puxação mesmo. Ali era o quartel general da conspiração geral.
Este negócio de governo de aliança é uma desgraça. E Jerônimo chegou ao Governo, com sangue suor e lágrimas. E um discurso de Cícero romano. Aí vem um, vem outro, partido daqui e dali, para indicar os cargos do Governo. Jerônimo sempre foi contra isto. Odiava esta lambança. Ele já tinha na cabeça os nomes para o Governo. Como ele queria fazer um governo mais técnico que político, trouxe alguns nomes, indicados a dedo pelo José Richa, Paraná (Garanhão e outros), alguns de Minas Gerais e outros do Rio de Janeiro. Era um bom time. E ficou aqueles cargos da sofrência geral. Senador indica um, deputado indica outro e lá vai a tremenda luta e interminável conversação. Não vou falar nome aqui, de jeito nenhum. Bemgala não queria uma indicação de “caixa alta”, mas, teve que nomear. E queria achar um motivo para exonerar a pessoa. E nada. E foi passando o tempo. E aumentando a raiva dele. Nem recebia a autoridade do seu governo. Ele despachava, ali onde hoje é a SESDEC, perto da “bola” da Avenida Imigrantes com a Avenida Jorge Teixeira. Ele comia bastante castanha e mais algumas coisas, que fazia ele peidar alto e muito. Ele nem ligava. Peidava e ficava com aquela cara de sonso, com sala cheia e aí que ele falava mais alto.
A dita cuja vinha pedindo audiência com ele há vários meses. E nada. Não estava mais aguentando tanto desprezo por parte do Governador e foi lá assim mesmo, disposta a forçar a barra e conseguir a audiência. Paulo Henrique, Chefe de Gabinete, uma calma de São Frnacisco de Assis, daria o jeito. A sala de despacho do Governador era pequena e improvisada, ali, naquele lugar, nunca foi para ser um Palácio. Foi no passado a sede da SUDECO. Pois bem, o banheiro não tinha arrodeios, era ali à frente da mesa dele. Era só abrir a porta, entrar e fazer o serviço. Ele mandou a moça sentar. Ela sentou. Veio com uma secretária especial. Uma bolsa cheia de processos para despachar. Ela também estava chateada com o desprezo. E o Bengala, falou para ela, espere um pouquinho, vou aqui no banheiro e volto já. Entrou no banheiro, deixou a porta aberta e sentado no vaso, despachando gases sem parar, sem constrangimento nenhum, continava conversando com ela lá de dentro. A mulher foi se enfurecendo com tanto falta de compostura do Governador, que passou a mão na bolsa, puxou a secretário pelo braço e foi se embora. Jerônimo ainda gritou, espera aí, espera aí, estou acabando. Ela nunca mais voltou e nem pediu demissão. Foi a estratégia que ele teve para se ver livre da mulher.
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