A bordadeira

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A bordadeira

Minha mãe era bordadeira. Desde pequeno que a via agarrada à maquina de costura, pedalando a sua arte. E não tinha hora, aceitava a encomenda, não falhava na entrega. E justo, hoje, dia 30 de abril, ela se vida tivesse, completaria 87 anos. Eu nasci quando ela tinha 18 anos.

Era assim, em quase todas as casas da cidade, naquela época sertão maciço, hoje, nem tanto, tem asfalto, energia, Internet.

Artesão na arte da madeira, Lino Cabeça Gorda, por exemplo, fazia pilão com tronco de pequizeiro. Zé de Bento, móveis. Luizinha costurava camisa e calça. Exupério arreios e tralha de campo. Padrinho Henrique, lamparinas, cuscuzeiro e funil de lata. Palmira, pirulitos. Pedro Pixuri, sapatos e botinas. João Correia manipulava remédios. Generino e Mestre Veríssimo, arte da construção. Mas, tinha de um tudo. Que fazia peneira, gaiola, “tapiti”,”quibane”, “carocha”, chapéu de palha, roupa de noiva, carro de boi.

Dou um chocolate para quem souber o que seja “quibane”, “carocha” e “tapiti”, mas, eu não vou falar.

Minha mãe paria em casa. Quando vinha as dores do parto, mandava a meninada pra casa da avó e meu pai buscava a parteira, carinhosamente chamada de Mãe Velha. Nasci nas mãos dela. Minha mãe aprendeu a parir sem gritar, mas gritar pra quê, médico não havia, este negócio de cesariana, não se falava. Vinha a vida rodando, no ritmo do sol.

Dinheirinho pingado, daqui e dali, curvada sobre a máquina, ritmando o jogo do pedal com a sintonia das mãos, tecido esticado num bastidor, ela ia enchendo o pano de coloridas flores, sofisticados modelos franceses de bordados nobres, por vezes, uma peça demorava vinte dias.

Um par de sapato por ano. Sem luxo nenhum. Solto na rua só de calção. E este era o admirável mundo, pequeno e desinformado. A não ser pelos livros, onde se podia voar. Oito filhos. Até certo tempo, todo mundo comia numa gamela de madeira, rodeada, e no chão, demarcava o território de cada um e ai de quem se atrevesse invadir o espaço do outro. Tinha até briga. Colherada. Puxão de cabelo.

Por sorte e glória, não faltou a escola. E excelentes professores, freiras espanholas, padres, filhos egressos da cidade, que retornaram por amor e solidariedade. Osvaldo Póvoa, Carlos Alberto Wolney e mais, fantásticos e luminosos mestres. A educação salvadora. A máquina não parava a lançadeira. E cada vez mais, minha mãe dominava a arte, o  difícil ficou fácil, a repetição dos movimentos introduziu nela a sabedoria.

E agora, que não posso cantar o parabéns pra você, me resguardo a uma visita ao seu túmulo, aqui em Ariquemes. Só pra dizer – muito obrigado.

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