Este negócio de coisa comunitária, é bonito no discurso, porque na prática, cada um quer é o seu pedaço, bem aqui, dentro de casa e pronto. E como se diz, primeiro o meu, depois o resto. Para se ler, teorizar, não tem coisa mais bonita do que o trabalho comunitário. As comunas, no sentido bem antigo da concepção. E ainda mais se você entrar nas doutrinas de Marx, de Chavez, Che Guevara e tantos outros. Aí meu Deus do céu, você tem que se segurar, senão se converte mesmo a este mundo admirável de sonhos de igualdade e solidariedade e fraternidade.
O meu socialismo também existiu e o meu é meio Macunaíma. Foi assim, que eu vi, com estes olhos, numa gleba, quase medieval, onde eu na condição de deputado, queria porque queria transformar tudo aquilo num modelo extraordinário de uma convivência socialista, de um por todos e todos por um. Quebrei a cara. Maciçamente, quebrei a cara.
A Gleba Oriente, no Theobroma, Rondônia, nunca foi área planejada para assentamento rural, mas, ninguém pode com o bicho homem. Foi chegando um, metendo o machado e pondo pedaço da floresta no chão. Chegou outro, pelo bafo do primeiro, fez a mesma coisa. E foi chegando, compadre, primo, amigo e assim a gleba que seria uma reserva florestal, em bloco, pulmão para oxigenar os projetos vizinhos, foi esmorecendo no seu ideal de floresta e desmanchando pouco a pouco.
Quem primeiro chegou foi Antônio Sarapião, um baiano valente que nem Lampião, sempre com chapéu largo, facão à cintura, uma espingarda a tiracolo, que não tinha medo de nada. E não tinha mesmo. Seu sonho foi sempre ser polícia. Até mentir ele mentia, dizendo que tinha sido polícia na Bahia e contava histórias fascinantes de valentia. O outro, foi o mineiro, de fala arrastada, gordinho e baixo, com toda a mineirice do mundo, o conhecido, por aquelas bandas, o Castorino. Que solteiro, não tardou a arrumar uma órfã de pai e mãe, com treze anos de idade. E de tando padecer, ter seis ou sete filhos seguidamente, ficou cega, por carências alimentares e de vitamina A.
Sendo assim, por necessidade e justiça, optei por dedicar o meu primeiro mandato como deputado federal às comunidades isoladas do Estado de Rondônia, ainda muito bruto e sofrido. E fui catando este povo no Estado e procurando levar estradas, escolas, energia elétrica, investimentos para se animarem a viverem melhor. Foi criada a primeira Associação Rural da Gleba Oriente, Zé Lourenço eleito o primeiro presidente. Um capixaba de bom trato, de uma sabedoria natural enorme, homem de acordo e ele esqueceu de si mesmo, para cuidar do coletivo. Eu fiquei bem animado porque Zé Lourenço haveria de implantar todos os nossos sonhos de vidas melhores para todos.
Até quando não se tinha nada, todo mundo era unido, mas, o diabo atiça o homem, quando começa a chegar benefício vem a discórdia veio e se foi costurando no tempo, o desentendimento com o entendimento, sempre na esperança que o comunitário falasse mais alto. Veio o trator, as estufas para verduras e legumes, a sede da associação, os tanques para criação de peixe, quatro touros e sessenta novilhas leiteiras, dois botijões de nitrogênio com sêmen selecionado, curso do Sebrae, curso de inseminação artificial, energia elétrica, estradas. Até dez hectares de cafezal comunitário, para todos. Uma trilhadeira. Sem falar em adubos e mais coisas.
Era tudo que o pessoal queria. O cafezal se perdeu no mato no decorrer do tempo. Ninguém queria trabalhar para todos. As novilhas viviam entreveradas no mato e cheias de carrapato. Os bezerros nasciam e maioria morria por falta de trato. O tanque de peixe teve uma só uma safra porque receberam ração e alevinos. E tudo foi rodando morro abaixo. E tudo foi acontecendo como uma desgraça em nossos sonhos. Não passou de uma ilusão. E aos poucos foram vendendo as glebas, depois das melhorias e partiram para outras aventuras, porque é sempre assim, ninguém se apega a nada. E torra tudo em dinheiro quando as melhorias chegam.
Zé Lourenço acabou o mandato, veio o segundo presidente, o Tonhão, que não aceitava ser contrariado, nem voto contra, nem fuxico de jeito nenhum, e por qualquer razão puxava o facão e botava todo mundo pra correr. Os evangélicos saíram da associação, porque era coisa do demônio. E resolvido o patrimônio comum, cada um com seu quinhão, feito a votação, quase unânime, contra só o Zé Lourenço. Foi uma alegria geral, quando cada um recebeu suas vacas, seus peixes, seu pedaço da roça de café, seus dias de trator de graça e tudo virou um mar de rosas. E o pessoal se acalmou, muito bem. Por aí se vê que o capitalismo ainda é a razão e causa de tudo em termos de bem-estar do homem. Socialismo é bom para o discurso e palestras. Não como razão de vida na Gleba Oriente. Ali eu testei e vi, que teoria não tem valia, o que prospera é a razão prática.
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