Cada um com seu conforto. Cada um sabe da sua necessidade. Cada um com o milagre que merece. Eu vou contar pra vocês a minha aventura, muitas e repetidas foram estas aventuras, abençoadas, anos setenta (70), Ariquemes: Alice e eu, dois médicos com formação básica e com responsabilidades de superespecialistas em tudo. Raque (anestesia), uma injeção na espinha, dentro do canal medular, a gente fazia. Alguns bloqueios de membros superiores também. Anestesia geral com éter por inalação e venoso com ketalar (cerâmica). Nenhum dos dois são usados mais.
Tínhamos ambu (um ventilador de borracha), duas balas de oxigênio, um respirador pequeno menor que um relógio despertador. Tínhamos as cânulas endotraqueais. Os remédios necessários e anotados num caderno, a rotina de cada um, a etapa e efeito deles. Nós tínhamos na cabeça, as recomendações do nosso professor de anestesiologia José Quinan. E seguíamos aquela Bíblia sagrada.
Éter porque para o interior era mais seguro. Difícil morrer um paciente com éter em consequencia da anestesia. Tinha lá seus inúmeros efeitos colaterais, prova que não é mais usado. Mas para medicina de guerra funcionava bem. Meus pacientes tomavam éter. Ou gota a gota pingado no nariz sobre uma campânula propria. Ou direto no pulmão.
O ketalar era para procedimentos mais rápidos. Inconveniente: alucinação. Uma droga que imitava, por seus efeitos, um filme em 3D, a mente do paciente flutuando no espaço, como um astronauta sem gravidade e ainda vendo estrelas e fantasmas. Tal qual um surto de esquizofrenia. Dez miligramas de diazepam antes, músculo ou veia, para reduzir os efeitos alucinógenos. O paciente via coisas e não sentia dor.
Os dois anestésicos bem seguros do ponto de vista da vida e da morte. Juro por Deus e por todos os santos, que não tenho saudades daquele tempo, o estresse era tanto, que dava até diarreia, por outro lado, estou aqui para lhes contar estas histórias de maluquices médicas necessárias? Ou se fazia ou o paciente morria. Porque Porto Velho naquele tempo era tão distante quanto Dubai. Os 180 quilômetros pareciam 1000.
Creio que ainda hoje, se coragem tivesse, poderia ainda fazer o mesmo, para atender os campos de guerra ainda existentes no mundo ou refugiados africanos perseguidos. Mas, era o que podíamos fazer, quando tudo era tão longe e como dizia Brizola: o Brasil profundo ou o Brasil dos grotões.
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