A 319

A 319

 319 é o nome da BR que foi asfaltada e que não existe mais.  De Porto Velho a Manaus. Há um trecho pavimentado – Porto Velho a Humaitá (AM).

Já se gastou muito dinheiro para fazê-la.  O tempo, o descaso, jogou tudo por água abaixo. A rodovia morreu. Acabou. Virou carreador bruto, um traço de lembrança do que foi. Andei por ela no início dos anos 80. Um estirão quase infinito.

Voltou a ser ruína. A 319 desmoronou.

Me dá seu braço amigo, quero um abraço, um abraço de Brasil.  Aqui quem pede é a Amazônia, longe e grande. De tão grande se esconde, pouco grita. Por isto perde o pouco que ainda tem. A estrada sumiu. Ficou o grito perdido. O passo de cada vez, um a um, o peso nas costas, o burro de carga, a espera a beira do caminho. A resignação.

Para refazer é preciso coragem. Vontade de fazer mais uma vez. E dedicar-se à recomeçar. A estrada e seus pedaços que precisam interligar, com o todo que foi partido e agora, o pleito, para ser reencontrado. O construir e o demolir. É custoso construir e demolir. Mais caro é esquecer.

O Brasil pode morrer um dia,  exatamente como demolira em vias de erguer. E tudo passa por ignorância, este oitavo sacramento. O de ver o óbvio e de não perceber, ou pior, o de esquecer o que foi feito, deixar o gasto ser desfeito, como se um patrimônio rodoviário pudesse ser desperdiçado.

Não se restaura a 319 por falta de dinheiro, mas, por falta de vergonha. Por falta de amor, de respeito a coisa pública, a exaltação do desperdício e do descuido. Mesmo longe, a Amazônia é o inicio, e o restante do país se perde dentro dela. E dela sai o mecanismo da vida, a cobertura sagrada sobre o todo, ela é o equilíbrio suntuoso de clima e vida.

Águas dos rios são caminhos, hidrovias, tortas, históricas, barcos, vidas, contudo, a rodovia pode acelerar negócios entre cidades, a vida em movimento.

Aqui, a reconstrução virou choque de tendências, quase ideologia, o mote ambiental consagrado, a mata virgem, a fauna, o seco e o molhado, e a estrada que já existiu, que pode ser ressuscitada.

Dia 5 de fevereiro de 2019 (319, noves fora, noves dentro) o bicho pegou, governadores, senadores, deputados federais, gente da Amazônia, zangada, com espinha  de peixe na garanta, encheu a sala do Ministério a Infraestrutura, novas vozes, velhos gritos, brados, pios, o que se quer é a rodovia pavimentada de novo.

O ministro Tarcisio Gomes de Freitas, com gesto bondoso, aquiescente, conhecedor, quase amante da causa, disse num brado – “a estrada será reconstruída”. E todo mundo saiu contente. Saiu contente. Contente. Pairando ainda no ar o passarinho do agouro, e em quanto tempo? Enquanto tempo, tempo, pio, pio, tempo. A palavra dada é energia que reverbera nas curvas do caminho. É o bater das asas das araras, tem aqui, a força da representação política, movida pela esperança.  A esperança tem nervos de aço.

 

Fotos: EBC/Assessoria