Sala de aula e barbárie
(Rodorval Ramalho)
Desde a época em que entrei na escola muita coisa mudou na sala de aula. Os quadros, as carteiras, a iluminação, o tamanho, a tecnologia. Entretanto, o que mais se modificou naquele ambiente de ensino foi a relação professor-aluno.
Na minha época, já não havia palmatória nem castigo de joelhos, em cima de grãos de milho. Além disso, as professoras já não ousavam nem puxar as orelhas dos seus alunos, mesmo em situações que justificariam o “merecido” castigo.
Não estou querendo dizer que todos os professores eram agressivos e violentos. Tampouco quero afirmar que o castigo era a grande arma dos docentes. Apenas que a autoridade dos professores, mesmo quando extremada, era legitimada pelo conhecimento e domínio de suas matérias; pela legislação escolar, que era dura com os “bagunceiros” e desinteressados; pelas orientações familiares, que viam nos mestres um substituto dos pais; e até pela sociedade, que valorizava aquela atividade, embora não a Nos dias que correm, o prestígio do professor e, consequentemente, a sua autoridade vêm sendo diluídos progressivamente. A ironia, aqui, é que tudo começou com certa pedagogia populista, desenvolvida por intelectuais de esquerda, que foi ajudando a corroer a superioridade hierárquica do professor. Essa gente vem trabalhando há décadas para “descontruir” um modelo de professor que detém o conhecimento e a autoridade na sua sala de aula. A medir pelos resultados, a pedagogice esquerdista e seus aliados alcançaram seus objetivos, pois esse ambiente, atualmente, é completamente hostil aos professores.
As histórias que escuto, testemunho e experimento, no dia-a-dia da minha profissão, são estarrecedoras. A “palmatória”, agora, está nas mãos dos aprendizes. Mas, a que funciona no tempo presente é capaz de violência física e simbólica. A casuística é variada e tragicômica. Os casos mais graves, em que o professor é agredido fisicamente pelo aluno, estão se avolumando e já são suficientes para deixar todos nós com os “dois pés atrás”.
A agressão contra o patrimônio (os nossos automóveis) já virou corriqueira. As ameaças, diretas ou por bilhetinhos, também passaram a fazer parte da lida diária. Entretanto, o que ocorre dentro da sala de aula é o que me chama mais atenção, pois são práticas generalizadas e, infelizmente, naturalizadas por quase todos.
Vejamos alguns desses comportamentos que inviabilizam uma relação normal de ensino- O campeão da falta de ordem nas salas de aula é o telefone celular. É impressionante a obsessão compulsiva do alunado (e, pasmem!, de alguns professores) com o aparelhinho de telefone. Tem gente que chega a fazer selfies em pleno horário de aula. A quantidade de sinais eletrônicos, anunciando as chegadas de mensagens, é uma verdadeira sinfonia de mau gosto.
Mas, temos de tudo: depilação, manicure, pedicure, fofocas, brigas, discussões, sonecas, leituras estranhas à matéria da aula, massagens, palavras-cruzadas, carinhos fervorosos, palavrões, “entra e sai” sistemático, cuidados com pets, embriaguez alcóolica, cheiro de “mato-queimado”, enfim, as gerações mais recentes perderam totalmente o que poderíamos chamar de “decoro estudantil”.
Esse ambiente de barbárie não foi emergindo do acaso nem da democratização da relação professor-aluno na sala de aula. Essa realidade é o resultado de um trabalho de formiguinha que objetiva tirar toda a autoridade do professor e da escola. Para esses “desconstrucionistas”, ninguém sabe mais do que ninguém. Estimulam o desrespeito às hierarquias. Defendem que temos que aceitar as “diferenças” de comportamento. Precisamos relativizar e reconstruir o sentido da escola, para que ela deixe de ser um espaço autoritário e favorável a quem sabe ou quer saber mais.
A situação tende a se aprofundar porque essa invasão vertical dos bárbaros é apoiada, direta ou indiretamente, por muitos políticos, professores, sindicalistas e outros operadores do sistema educacional. A educação no Brasil, do Jardim ao Doutorado, está em frangalhos. Existem muitas medidas necessárias para revertermos esse quadro. Porém, a primeira delas é exatamente a recomposição da autoridade dos professores e do decoro do alunado. Sem esse pré-requisito, jamais sairemos da barbárie.
(Rodorval Ramalho é sociólogo, professor doutor da Universidade Federal de Sergipe)
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