Finados

Finados

Hoje, dia 2 de novembro, feriado. O Dia de “Finados”. A gente sabe, com toda antecedência, que todos nós seremos finados.

Fui andando hoje pelas ruas pensando neste assunto, mesmo se quisesse acrescentar alguma coisa de diferente, no meu caso, como casa boa, mais comida, mais doce, mais roupas bonitas, aqueles sonhos que toda criança tem e não consegue ter – no meu caso era uma bicicleta. Mas foi passando o desejo da bicicleta.

Fui preenchendo este vazio cavalgando jegues. Brincando de esconde-esconde. Correndo desvairado pelas ruas de Dianópolis – Tocantins, onde nasci. Chegava em casa bem sujo, suado e me escondia para ninguém reparar a hora.

E a minha mãe “finada”  agarrada nos tachos de comida, muita gente para comer, as gamelas no chão para a filharada comer juntos. Era só colheres. Nem faca e nem garfos. E depois ela se  pegava na máquina de bordados, artesã de mão cheia, vestidos, blusas, toalhas de mesa, guardanapos, bordados coloridos. Arte pura.

E meu pai, mais falastrão, alegre, numa roda de rua, só ele se destacava, contando história e fazendo o pessoal morrer de rir. Finados. Meus finados estão espalhados em territórios diferentes. Sogro em Goiânia. Pai em Porto Velho. Mãe em Ariquemes. Sogra junto com minha mãe. Cida – cunhada querida em Goiânia. Rafael cunhado, em Ariquemes. Dois irmãos (Waldo e Socorro) finados – em Goiânia. Onde estiverem, em seus territórios definitivos, estão perto mim.

Porque agora, são lembranças, memórias temporárias e de corpos vivos que passaram a ser grandiosos – universo inteiro, estão compondo a natureza das coisas e a genética continua, e vai e vai, até onde não sei.

Nasceu a  Aurora que é bisneta da minha irmã Socorro. Quem diria a Socorro ser bisavó! Pois já é. Ela finada. E meus pais tataravós – quem diria – e são. Aurora Aires Moura, que nasceu em 1 de agosto de 2020,  filha de uma mãe menina, a Isis, vai tocando a vida de todos nós. E virão outros, que tocarão nossas vidas perenemente. Este é o contrato de gerações.

Então, eu conjecturando na caminhada,  eles não são finados, porque o gene é imortal. Ele vai como uma flecha furando  os bloqueios e ressuscitando os mortos. Fiquei imaginando – o que gostaria de ter a mais que a bicicleta que não tive?

– eu lhe digo, absolotamente, nada.

Ganhei a base educacional, os princípios de um colégio de freiras, que me empurrou até o ponto em que me encontro hoje. Aos meus queridos finados, gracias a la vida, gracias por tudo de muito e farto que tive, embora, aparentemente, me  faltasse, que nem reparo, nem desdigo, somente saudades e gratidão.

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